Categoria: Banda Desenhada

Meses depois #2

hipho3-fcHip Hop Family Tree (HHFT) vai no terceiro volume (Fantagraphics; 2016) com Ed Piskor a cobrir os anos de 1983 e 1984. Anos de lenta transformação mas que irão levar o Hip Hop a um fenómeno global.  O Hip Hop nessa altura começa a ser documentado nos primeiros livros e filmes, a música registada já vai além dos singles de 7” passando a haver mais LPs, namora o status quo como o basquetebol  e eis cada vez maiores movimentações de dinheiro para investir nesta nova forma de música. Assim, assistisse a fabricações de “stars” como os Fat Boys (ex-Disco Three) ou dos tolos dos Beastie Boys. Nos bastidores há o encontro dos produtores Rick Rubin e Russel Simons que revolucionarão esta música para já não falar no império que irão montar, a editora Def Jam.

E nessa construção também podemos ler como vieram parar à baila o Flavor Flav (futuro “hypeman” dos Public Enemy) ou o LL Cool J (futuro galã da cena) ou ainda a continuação da vida miserável de KRS-One que passa pelo tráfico de droga, detenções prisionais e a condição de sem-abrigo. Justamente os problemas de dinheiro e a vida de bairro começam a ser mais recorrentes nos temas desta época como também o outro lado da mesma moeda, a ostentação “bling bling”.

Há mais enfoque no Breakdance que me queixava ter sido deixado para trás nos outros volumes, especialmente porque foi esta dança que irá popularizar o Hip Hop fora dos EUA – ou pelo menos em Portugal, segundo os testemunhos de vários músicos no livro Ritmo & Poesia: Os Caminhos do Rap (Assírio & Alvim; 1997).

É um bocado infantil esta sensação de querer mais volumes desta série porque já sei onde a história vai parar – ou não  – mas quero saber à medida que mo contam… Felicidade! Já saiu o quarto volume… Já tá reservado!

 

23359742-_uy461_ss461_PS – Entretanto, em 2015, saiu Ghetto Brother: Warrior to Peacemaker, pela NBM, que complementa os volumes da HHFT. Romance gráfico de Julian Voloj e Claudia Ahlering conta a história de Benjy Melendez, que criou nos finais dos anos 60, um dos maiores gangues do Bronx, os Ghetto Brothers. Grupo multirracial, conseguiu obter tréguas entre as gangues quando a violência escalava e davam concertos em edifícios abandonados, iniciando assim as míticas “block parties” que originaram o Hip Hop. Como BD, os desenhos e a narração são naïves e toscos, é uma BD um bocado confusa e previsível – a ignorância da cultura judaica de Melendez é constrangedora – mas a leitura deste livro completa o que Piskor deixou um bocado ao acaso desde do inicio da HHFT

Meses depois

16326Achei que seria porreiro no meio destas minhas resenhas críticas no sítio da Mundo Fantasma escrever uns “anexos” aos livros, sobretudo porque há muita BD que se publica em vários volumes, o que obrigaria a ter uma escrita repetitiva ou desactualizada à medida da leitura de novos “números” desta (enorme) tradição de folhetim na BD, válida para o Hip Hop Family Tree como para os tradicionais “comic-books” de diversão pura e dura.

E falando destes… Há meses atrás comentei sobre o primeiro volume da “Academia do Guarda-Chuva” e como aquilo soava a “star-system” do pior. Um gajo famoso, um Rock Star, mete-se a escrever BD só porque… é famoso. Se no primeiro volume, “Suite do Apocalipse, o Gerard Way não apresentava razões de ser diferente à mediocridade da indústria norte-americana já Dallas (Dark Horse; 2009), a segunda colecção da série, é muito mais convincente e até engulo um sapo se for preciso em relação ao vocalista xunguita loiro platinado dos My Chemical Romance.

O(s) “plot(s)” tornaram-se imprevisíveis e Way abusa de forma positiva aquela máxima dos “super-heróis” em que quanto tudo mais muda mais tudo fica na mesma. Se esta família de super-heróis disfuncionais não transmitem nenhuma empatia com o leitor (será porque tenho 43 anos?), por outro lado ou por isso mesmo, tornam-se em personagens extremamente maleáveis para se aplicar a extravagância que se quiser. Foi o que Way fez. Resulta numa diversão inteligente q.b. mesmo com rapinanços como a cena pós-vida de Séance com um cowboy é um bocado como os encontros com o John Wayne na série Preacher (de Garth Ennis) ou é impressão minha?

Depois há toda a vacuidade que os americanos tratam os seus traumas políticos (a guerra do Vietname e o assassinato de John F. Kennedy) para que não se pense muito sobre os assuntos, limitando a reduzi-los a um imaginário Pop. Ainda assim Dallas é perfeito para no sofá domingueiro ou para quem vai de manhã no Metro acompanhado pelos nossos cidadãos que falam altíssimo ao telemóvel — dá para perceber tudo ainda assim!

Sobre o grafismo de Bá, nada a declarar.

Vá, aumento uma estrela na pontuação! Ou um sapo…

Copra

Argumento e desenho de Michel Fiffe. Bergen Street Comics, 2014-15

Quem tem agora os seus 40 e tais anos, deve lembrar-se e guarda com (excessivo) carinho o momento quando leu pela primeira vez as BDs Ronin e Regresso do Cavaleiro das Trevas (Dark Knight Returns), ambas de Frank Miller. Para quem fosse leitor de super-heróis e de outra literatura popular, apanhar no quiosque da rua estas “edições de luxo” (era o que vinha escrito na capa) comparando com as revistas mais pequenas que o A5 com cores simples em papel manhoso da Abril-Morumbi-Não-Sei-Quê-Jovem, era óbvio que toda aquela “brilhantina” era uma revelação e uma inspiração. O fim da inocência da qualidade do trabalho do Frank Miller tornou-se óbvia quando este passou a escrever a série Sin City – mal acabei de ler o primeiro volume nos anos 90 troquei-o por ganza porque o meu “dealer” curtia de BD – e quando ele começou a abrir a boca para arrotar postas de pescada fascistas dignos de um Donald, pato ou Trump tanto faz.

Sabendo disto tudo, garanto-vos que não tive coragem de ir reler o Ronin para não confrontar a minha juventude tola e ficar desiludido com o trabalho. Mesmo assim tive mais uma abertura de olho… Se era assumido que Miller gamou tanto o Moebius como o Lone Wolf & Cub de Koike e Kojima, também surripiou o meister-trip Philip K. Dick (1928-82), pelo menos aquela personagem principal que não tinha membros e que graças à sua telecinesia recriava um corpo, máquinas e outra realidade. Querem saber os títulos dos romances de Dick que Miller sacou ideias? A cultura Pop é mesmo assim. Ela regurgita-se, come-se e defeca-se sobre si mesma: Pop Will Eat Itself! Desculpem a repetição. Não que isso me incomode porque Pop ou não, sou adepto do “copyleft” (se não mesmo do “copytheft”) quando se faz algo que acrescente à obra original [qual? não há obras originais!] É deveras nojento ver patentear sejam sementes da Natureza sejam “ratos-miques”. A cultura é universal e deve ser usada, mudada e melhorada por quem quer que seja. Se há algo de especial no mundo Digital é que ele está a ajudar a lutar contra o abuso e corrupção do “copyright”.

O caso da música é o mais mediático porque foi o primeiro a sofrer mudanças radicais como a sua desmaterialização do suporte físico. A perseguição das editoras fonográficas aos “piratas” que usavam “samplers” (excertos de músicas já existentes) transformou-se numa perseguição aos “piratas” que sacam tudo da ‘net [nós, o povo!]. Os mesmos que antes perseguiram o DJ Dangermouse por ter feito, em 2004, o disco The Grey Album que combinava as vozes do Black Album de Jay-Z com os instrumentais do “álbum branco” dos Beatles, no ano seguinte já o contratavam para produzir o segundo disco dos Gorillaz. A que se deve esta mudança?

A mesma razão que deixou os Negativland numa encruzilhada criativa. O que pode fazer este grupo de “cultural jammers” quando agora todos nós fazemos o mesmo? Nas nossas contas de Youtube metemos vídeos de Black Metal mais satânico que Deus criou como os de gatos mais fofos que “sextoys”; enviamos “forwards” de imagens de políticos a dizerem coisas que não disseram mas que fantasiamos que disseram; fazemos “mash-ups” de músicas; misturamos textos e imagens no Word ou no Photoshop ou as duas coisas. Somos “copy/paste”. Sempre fomos mas faltavam as ferramentas digitais para nos facilitar a vida. E é impossível processar a Humanidade inteira, embora se tente sempre arranjar um caso para dar o exemplo, sobretudo aqueles que dão nas vistas, como foi com Katz de Ilan Manouach.

Mas há outra razão mais perversa, as editoras fonográficas perceberam que a cultura do Remix permite que as músicas dos seus catálogos sejam divulgadas, esticadas no tempo para além da sua própria validade comercial e transformadas em ícones para além das capacidades reais do departamento de Marketing. Quando um DJ faz uma nova versão de um tema da Lady Gaga na realidade está a promove-la e até em contextos em que não seria escutada. Eis uma acção promocional extraordinária e inesperada para a editora e para o artista!

E nos “comics”? Com seu habitual atraso cultural ainda não se sentiu essa mudança de paradigma mas já podemos encontrar pistas desde os finais dos anos 90 pelas centenas de versões de arquétipos dos principais Super-Heróis da Marvel e DC Comics que aparecem em editoras independentes como a versão gay do Super-Homem e Batman em The Authority. Este exemplo é dos melhores, imagino que nos púdicos anos 40 a questão da homossexualidade seria tão escandalosa como a violação da sacrossanta propriedade comercial! Basta lembrar a confusão legal que a DC criou com o processo contra o Shazam! / Captain Marvel, por ser uma “cópia” do seu Superman. E como “trash breeds trash” este processo ainda hoje dá confusões – falo do caso Marvelman / Miracleman.

Isto para chegar ao mais estranho desdobramento que encontrei recentemente, Copra de Michel Fiffe. É um “ripanço” total à série Suicide Squad (uma equipa de super-vilões da DC Comics transformados num grupo operacional ao serviço do imperialismo dos EUA) e outras personagens secundárias da Marvel como Dr. Strange. O que tem o Copra de especial? Muita coisa e tal como já tinha referido no artigo sobre Umbrella Academy, se o cerne absurdo da produção dos “comics” norte-americanos continua a ser o ritmo de trabalho, então Fiffe sem um grupo de assistentes, parceiros ou editores revela nas cartas dos leitores do número 8 (e no volume 2 compilado), como faz cada número desta série independente:

levo uma semana para fazer o argumento e os diálogos de um número (…) faço um modelo para planear a fluidez visual, os esboços aparecem devagar (…) faço a legendagem à mão no último dia da primeira semana. Reescrevo, também (…) consigo fazer 4 páginas por dia, senão duas e meia – 3 no máximo. São 24 páginas numa semana e meia, o que deixa-me uma semana para colorir os originais, digitalizá-los, retocá-los, fazer a capa e tudo mais para imprimir. A semana 5 é gasta à espera dos livros para enviá-los. Quando chegam, preparo as facturas, recebo encomendas, envio-as, recebo reclamações, promovo na ‘net, faço uma entrevista ou outra para um blogue e volto para a relativa calma semana 1.

Comparando isto com a “complicada” agenda musical e de escrita de Gerard Way, a sério que não resisto: that shit is for wimps!

Desde 2011 que Fiffe resolveu fazer um “comic-book” mensal, uma tarefa colossal que em pelo menos 18 números que li, compilados entretanto em três volumes, não perdeu nem a energia nem a extravagância visual. Ele estilhaça o género tal como Miller o fez há 30 anos atrás, sendo que Fiffe fez uma melhoria a vários níveis destes super-heróis da quinta divisão, seja pelo seu grafismo dinâmico e narrativa mirabolante.

A questão no entanto é porque a DC não atacou Fiffe? É que as semelhanças das personagens e dos conceitos são tão óbvios que até um ligeiro “nerd” como eu topa logo. Safo-se? Ou está a safar-se? Em 2014 a fama da série rendeu-lhe uma encomenda para a Marvel (a série All-New Ultimates), abrindo-se as portas para a competitiva indústria dos Super-Heróis. Tal como um “remix” de um tema inútil da “LéidiGugu”, o trabalho de Fiffe ajudou a recuperar uma série medíocre dos anos 80. Invés de lhe roubar público (acusação idiota que aparece sempre em tribunal contra quem usa material alheio!) esta foi relembrada e reeditada com o consequente “cash-in”. Se fosse ainda ganzadito até diria que há aqui uma conspiração marada porque Suicide Squad entretanto teve uma adaptação para cinema este ano! Topam?

Será que uma indústria híper-excitada pela “novidade”, ela fecha os olhos a estas situações porque lhes ajuda a vender as BDs velhas e originais que já ninguém quer saber? Porque é também uma forma de encontrar “sangue novo”? Não sei responder, no caso da música isso já é óbvio. Na BD não sei…

Copra

Copra

Só tenho três certezas em relação a isto tudo, o Suicide Squad (o filme) deve estar a dar um lucro espantoso, o Ronin vai morrer nas estantes da casa dos meus pais e vou continuar a comprar as compilações do Copra que esgotam a olhos vistos sendo que não deverei reler o Copra até estar internado num centro de dia…

Os sistemas de Francisco Sousa Lobo

The Care of Birds

Na capa de um dos livros mais recentes de Francisco Sousa Lobo, The Care of Birds/O Cuidado dos Pássaros, está o desenho de um homem de perfil. Peter Hickey, o personagem principal, tem os olhos fechados, uma faixa de luto no braço e um pássaro a voar da braguilha das calças com a graciosidade de uma pila — ou uma pomba a voar da cartola de ilusionista. A capa é uma provocação (um eyeball kick abusando da expressão de Allen Ginsberg), mas também uma síntese da camada dramática do livro: Peter é um reformado alcoólico para quem a observação de pássaros é um ritual de aproximação com Deus e de sublimação da sua pedofilia. Um Êxtase de Santa Teresa no negativo.

A “origin story” do personagem é reduzida à primeira página, em que Peter nos conta sobre os passeios de observação de aves que fez na infância e durante os quais foi abusado sexualmente. A observação de aves é assim o eixo a partir do qual se desenvolvem várias dimensões do livro. Do ponto de vista da estrutura da história, é um sistema a partir do qual inferimos aspectos da relação de Peter Hickey com (1) Deus e (2) crianças. Do ponto de vista das suas funções na trama, é multivalente: é a forma que Peter arranja para se aproximar das crianças da paróquia, é uma prova de forças (provar que não é um pedófilo a si mesmo, a Deus, à sociedade?) e é também uma tentativa de corrigir ou reescrever o passado ao iniciar os miúdos na observação de pássaros, como dantes também o iniciaram a si. Para além da lógica pederástica subjacente—invocando o poder prescritivo e normalizador dos rituais de iniciação—, há aqui evidências de um circuito ou compulsão de repetição. Peter é como um fantasma que ensaia eternamente os mesmos movimentos, amplificando a angústia e paranóia em vez de gerar a catarse esperada. A faixa de luto, será por si mesmo? A complexidade e consequências dos termos em jogo impedem o personagem (e talvez os leitores) de poder ou querer chegar a conclusões definitivas.

A história progride através destas indeterminações e da justaposição de termos aparentemente contraditórios, que ora se reforçam mutuamente, ora se anulam, formando a topografia instável do personagem. Como diz a sinopse na contracapa, “Peter é um católico tarado e sem Deus com um síndroma de santo.” Se esta caracterização o humaniza, o prosaísmo da história não permite melodramatismos ou empatias gratuitas. “Peter Hickey está para os pedófilos como os observadores de aves estão para os caçadores”, diz também a sinopse. A inocência aparente do “birdwatching” é o truque de ilusionista de Peter Hickey. O que achar dos passeios que este faz com rapazes pré-pubescentes para observar aves? A partir de que momento é que podemos considerar um comportamento como invasivo ou predatório? Para desenhar as aves, Peter captura-as com armadilhas. As aves mandam-no para o caralho e a ironia talvez escape ao personagem.

The Care of Birds
The Care of Birds, edição Chili Com Carne.
O Desenhador Defunto
The Dying Draughtsman/O Desenhador Defunto, edição Chili Com Carne.

Se quisermos reduzir Sousa Lobo ao Santo Graal da assinatura do artista, podemos falar num programa que é recorrente no seu trabalho e que envolve estruturas de autoridade, doença mental e perversão. Numa obra anterior com contornos autobiográficos, O Desenhador Defunto, o autor estabelece uma série de equivalências entre a autoridade moral da fé católica, a autoridade do trabalho, e as hierarquias de valor do mundo da arte. Francisco Koppens, o personagem principal, arquitecto deprimido e também ele um “católico tarado” que em segredo faz banda desenhada erótica sobre sociedades matriarcais, acha-se aquém de todas essas autoridades. A propósito de uma performance artística, Francisco consulta de enfiada um padre católico, um psicanalista e finalmente um crítico de arte. Os sistemas implodem e não chegamos a ouvir a punchline da anedota. Francisco acaba por ter um episódio psicótico e convence-se que a BD porcalhona que andou a fazer desencadeou uma onda de suicídios em massa, que vai dos amigos próximos até ao Papa. Aqui, a perversão é fazer banda desenhada, esse antro de desvios psicossexuais para gente que nunca ultrapassou as obsessões de infância. A Igreja e o mundo da arte folhearam umas revistas e deslumbraram-se com os fatos em látex dos X-Men. Deus olha lá do cimo, estilo smiley mirone.

No seu site, Sousa Lobo publicou um pequeno ensaio, The Comic God, onde sugere algumas tipologias da representação de Deus em banda desenhada. A julgar pelo uso que faz da figura de Deus no seu próprio trabalho, talvez tenha chegado à conclusão que a literatura existente estava em falta. As pranchas do artista são construídas com desenhos delapidados, perspectivas vertiginosas e espaços claustrofóbicos, em jeito de replicar as estruturas de autoridade que interiorizamos. O Deus de Sousa Lobo é isso. Não é “Deus o extraterrestre”, nem “Deus o ausente”, nem “Deus o amigo imaginário”: é uma projecção, uma estrutura avassaladora que observa do andar de cima e que nivela tudo cá em baixo.

Essas estruturas são revisitadas em I Like Your Art Much, livro de banda desenhada em torno de uma exposição do amigo Hugo Canoilas. A meio de considerações sobre como o desenvolvimento da arte e a prática artística estão assentes sobre a ideia de “crise”, Sousa Lobo recupera a sua crise pessoal exposta n’ O Desenhador Defunto. Citando Canoilas, o autor admite que O Desenhador Defunto é uma autobiografia “pornográfica”, remetendo mais uma vez a prática da banda desenhada para o domínio da perversão, aqui no sentido mais restrito do exibicionismo da vida pessoal. A perversão está no acto de confessar que, nas palavras de Sousa Lobo, é “a própria doença que se propõe a curar”, tanto na igreja como nas páginas de banda desenhada.

Mas não se poderá dizer que, na ausência de legitimação social ou financeira, uma actividade como a banda desenhada é necessariamente uma “perversão”? Afinal, a média tem sempre um desvio. Ainda em I Like Your Art Much, o autor recusa a distinção ao amarfanhar “arte” e “banda desenhada” no espaço da página. Mas n’O Cuidado dos Pássaros, Peter Hickey chega a ser comparado a Henry Darger, romancista e outsider artist cujo trabalho foi apenas descoberto postumamente. Com um pezinho dentro e outro fora, entrar na galeria de arte ou na igreja com uma BD debaixo do braço continua a ser mais que uma provocação. É um acto de rebelião.

O Desenhador Defunto

Links de interesse

Francisco Sousa Lobo
Chili Com Carne