Autor: André Azevedo

Daniel Maia

Autor de banda desenhada, editor independente e ilustrador publicitário, irá marcar presença na primeira edição da Comic Con Portugal, que irá ter lugar entre os dias 5 e 7 de Dezembro, na Exponor, em Matosinhos.

É sem dúvida um dos desenhadores nacionais mais completos, com um estilo gráfico que assenta num invulgar conhecimento da figura humana, num domínio muito acentuado do espaço positivo e negativo do desenho, numa facilidade em captar expressões faciais credíveis e no arrojo com que cria os layouts de página, onde muda a “câmara” conforme pede a narrativa, sejam em pequenos ou grandes planos, energia essa que capta a atenção continuada do leitor.

Admirando e seguindo desde cedo o trabalho de Mike Mignola, Sergio Toppi e Barry Windsor-Smith, são autores como Alan Davis, Kevin Nowlan e Bryan Hitch que podemos encontrar como referências no modo detalhado como Daniel Maia finaliza a tinta-da-china os seus próprios desenhos, tendo vindo a tornar-se um desenhador com todas as características para se estabelecer no competitivo mercado norte-americano de comics, onde de resto foi tendo já pequenas colaborações com diversas editoras independentes, chegando mesmo a ser seleccionado em 2008 na ChesterQuest, uma busca de talentos mundial da Marvel Comics coordenada pelo editor CB Cebulski.

X #11

X #11

X #11

X #11

Desvios de percurso têm impedido a sua afirmação a nível internacional, mas este ano o primeiro passo já foi dado: Após se ter associado à agência Chiaroscuro Studios, foi o autor convidado para desenhar o #11 de X ((Publicado em Março deste ano e compilado no X Vol. 3: Siege)), a série escrita por Duane Swierczynsk e publicada pela Dark Horse, sobre um vigilante mascarado que dispensa justiça de forma violenta na decadente Arcádia, matando criminosos que passam ao lado da Lei. Os resultados excederam as expectativas com a arte-final do veterano Mark Pennington a dar um polimento “comicbookiano” às excelentes páginas desenhadas a grafite com um elevado nível técnico. Agora resta encetar um maior ritmo de trabalho e as oportunidades seguramente irão aparecer.

Brevemente o autor irá publicar O Infante Portugal em Universos Reunidos, um fanzine/comic com argumento de José de Matos-Cruz, desenho do próprio Daniel Maia (com Susana Resende), arte-final de Daniel Henriques e com a participação especial dos mestres José Garcês e José Ruy. Esta aventura isolada adaptará à banda desenhada as personagens da saga d’O Infante Portugal (Apenas Livros, 2010-2012), trilogia de prosa por José de Matos-Cruz, ilustrada por dezenas de autores nacionais, cujo último livro “As Sombras Mutantes”, contou predominantemente com desenhos de Maia.


André Azevedo escreve habitualmente no blogue A Garagem.

Agradecemos ao Daniel Maia a simpatia e a disponibilização das imagens.

Assim falou Miracleman

Miracle Man #9

Foi finalmente publicado em Agosto um dos comics mais antecipados por quem se interessa por questões como a censura ou os processos de reedição de material controverso, quer pelo seu conteúdo, quer pela sua importância histórica. Estou-me a referir a Miracleman #9, onde Scenes From the Nativity, escrita por Alan Moore (identificado como The Original Writer, a pedido do autor), desenhada por Rick Veitch e arte-finalizada por Rick Bryant, é reeditada pela Marvel Comics com novas cores e nova legendagem.

Miracle Man #9

Como o nome indicia, neste capítulo, após a “batalha final” com Gargunza (têm mesmo de ler os números anteriores), assistimos literalmente ao nascimento de Winter, a filha de Marvelma… desculpem, Miracleman e Liz Moran, e por ser uma sequência criada sem compromissos e por isso visualmente honesta, esta edição foi alvo de diversos avisos aos retalhistas quanto ao seu conteúdo e que iam subindo de tom à medida que as semanas passavam: de Parental Advisory a Mature (MR) acabando em “Please note that the upcoming Miracleman #9 contains graphic content, including a detailed scene of childbirth”. Com receio que tantas precauções fossem insuficientes, a editora distribuiu o referido número dentro de um saco plástico para evitar que leitores menos avisados e mais sensíveis, apenas habituados a ver sangue associado à morte, o vissem associado à vida.

Mas antes de prosseguir vale a pena fazer aqui um breve resumo do percurso conturbado da série Marvelman/Miracleman e das longas disputas legais que opuseram os seus criadores e editores.

Marvelman foi criado em 1954 por Mick Anglo para o editor inglês L. Miller & Son quando este foi obrigado a descontinuar o seu título mais vendido, Captain Marvel, devido à conhecida acção judicial da DC Comics contra a Fawcett Comics, onde esta era acusada de plagiar o Superman. Depois de 13 anos de disputa em tribunal a Fawcett foi obrigada a parar de publicar Captain Marvel, resultando na sua dissolução como editora de comics. Len Miller que republicava estas aventuras a preto e branco no Reino Unido pediu a Mick Anglo que com o seu estúdio criasse um herói suficientemente parecido e desse continuidade ao título. Assim nasceu Marvelman, cujo alter ego era Micky Moran, um jovem repórter que ao dizer Kimota — foneticamente é a palavra Atomic pronunciada ao contrário — se transforma no übermensch. Para replicar o conceito de família em Captain Marvel, foi criado Dicky Dauntless um adolescente que se transformava em Young Marvelman, e o jovem Johnny Bates, o Kid Marvelman, tendo ambos Marvelman como palavra “mágica” que despoletava a transformação.

As aventuras da família Marvelman continuaram com diversos graus de sucesso comercial até 1963, ano em que começaram a ser importados em massa os comics a cores dos EUA. No entanto, já em 1960 Mick Anglo tinha-se dissociado da L. Miller & Son e decidido reciclar e publicar algumas das suas histórias e, apesar de sempre ter reclamado direitos autorias sobre o Marvelman, renomeou o herói para… Captain Miracle.

Avançamos para 1982 e entra Alan Moore com uma questão pertinente e até então inédita: Como seria alterada a nossa realidade se os super-herois realmente existissem? Moore recriou Mike Moran, agora um homem de meia-idade, casado, envelhecido, a viver na socialmente depressiva Inglaterra de Margaret Thatcher (“personagem” que irá estar bem presente na obra de Moore, explicitamente em V for Vendetta, série criada na mesma época, e implicitamente em From Hell) e sem memória do seu passado heróico.

Originalmente publicada em capítulos a preto e branco, com arte de Garry Leach, Alan Davis e John Ridgeway, na excelente revista Warrior, a antologia editada por Dez Skinn (um antigo editor da Marvel UK) a série viu o seu nome alterado, contra a vontade de Moore, para Miracleman devido a pressões judiciais da Marvel (Machiavelli ficaria orgulhoso). Miracleman seria então publicada a cores pela Eclipse Comics a partir de 1985, tornando-se numa série de culto com a arte de Chuck Beckum, Rick Veitch e principalmente de John Totleben. Na sua última fase (Miracleman #11 a #16, Book Three: Olympus), Moore cria algumas das mais violentas e sangrentas páginas publicadas nos comics até então, retratando a luta de Miracleman com um lunático Kid Miracleman nas ruas de Londres. No fim, Miracleman apenas encontra uma solução para evitar futuros massacres: Institui um regime totalitarista na Terra.

Neil Gaiman passou então a ser o argumentista a partir do número 17 e com Mark Buckingham criou uma ambiciosa história em três capítulos — The Golden Age, The Silver Age, The Dark Age — onde problematiza a existência de uma Utopia liderada por um único (super)ser. Mas com a falência da Eclipse, a série foi interrompida no número 24, no início do segundo capítulo, e dá-se o começo de uma série de batalhas jurídicas que durante anos irá opor Moore, Davis, Gaiman, Skinn e mais tarde Todd McFarlane, que entretanto tinha comprado o fundo de catálogo da Eclipse.

Avançamos para 2013 e na New York Comic-Con, Joe Quesada anunciou que a Marvel iria republicar a série original em 2014 e que Neil Gaiman iria finalmente continuar a sua história em colaboração com Mark Buckingham.

“I love the idea that I will get to finish this story”, referiu Gaiman numa entrevista à Marvel.Com, “The tragedy of Miracleman was that we published two issues, wrote three and a half – and then it all stopped. And Miracleman #25 has been sitting in the darkness – nobody has seen it. It was drawn, it was written, it was lettered over 20 years ago.”

A equipa da Marvel Special Projects tem trabalhado com os autores nestas reedições através da utilização das pranchas originais ou de provas de impressão e afirma que novas técnicas estão a ser usadas para assegurar um produto final de qualidade. Mas se a nova legendagem melhora o aspecto final das páginas já as cores aplicadas têm demasiados efeitos especiais, a nudez pontual de Liz Moran foi censurada com revisões na arte e até a palavra nigger, usada totalmente dentro do contexto, foi eliminada.

Miracle Man #9

Miracle Man #9

Apesar disto recomendo a leitura de Marvelman/Miracleman neste infeliz formato em “alta definição” tão-somente pelos extras que cada edição contém: Reprodução das páginas originais e capas, diversas notas de produção e reedição de histórias clássicas dos estúdios de Mick Anglo dos anos de 1950, ficando a faltar no entanto textos que contextualizem a série e a sua importância para a história dos comics deste que é sem dúvida um dos melhores trabalhos de Alan Moore, e entre os melhores de Neil Gaiman.


André Azevedo escreve habitualmente no blogue A Garagem.

Imagem independente

A Image Comics é uma editora americana de comics e novelas gráficas criada em 1992 com o intuito de possibilitar aos criadores um meio de publicar os seus trabalhos sem perderem os direitos autorias sobre as personagens e histórias que criavam, como era prática na época, e ainda é, na Marvel Comics e na DC Comics.

Fundada originalmente por sete artistas vindos da Marvel: Todd McFarlane, Jim Lee, Rob Liefeld, Erik Larsen, Whilce Portacio, Marc Silvestri e Jim Valentino, todos os primeiros títulos da Image foram sucessos comerciais imediatos, tornando-se desde então numa das maiores editoras de comics do EUA, com um catálogo repleto de bons autores e grandes títulos mas também com o que de pior se podia encontrar nos comics de super-heróis nos anos de 1990.

Image comics antigos

Neste ponto a Image conseguiu subverter e generalizar um estilo de narrativa visual cuja origem atribuo a Neal Adams, em particular na sua Continuity Comics, a editora que criou em 1984 e que esteve activa até 1994. Escrevo subverter porque muitos dos desenhadores publicados pela Image, ou melhor, pelos diversos selos editoriais que a editora agregava, pareciam desenhar em papel vegetal sobre as pranchas de Adams, eliminando cenários e o que de real ainda continham os seus desenhos e acentuando a musculatura dos personagens masculinos, o “erotismo” das personagens femininas, o tamanho das armas e o nível de violência e sangue derramado, sendo Rob Liefeld um mestre nestas “inovações”.

Enquanto escrevia este artigo reli alguns dos títulos que fizeram mais sucesso: Spawn, WildC.A.T.S., Supreme ou Youngblood, tarefa essa que se tornou rapidamente entediante tal é a confusão visual e a pouca qualidade dos argumentos, sendo esta uma das críticas recorrentes na época. As várias polémicas geradas inicialmente pela gestão duvidosa da editora ou o uso agressivo de técnicas marketing e publicidade, que se tornaram na época standards da indústria, principalmente nas capas artilhadas com diversos truques visuais: hologramas, pop-up’s, capas variantes ou que brilham no escuro, também não ajudaram ao bom nome da editora, sendo esta acusada de apenas publicar lixo visual para adolescentes.

No fundo os sete rebeldes apenas queriam o legítimo retorno financeiro que as suas criações poderiam gerar e não apenas serem pagos à página como acontecia na Marvel, apesar dos títulos onde participavam venderem milhões de exemplares, batendo mesmo recordes — McFarlane em Spider-Man, Jim Lee em X-Men ou Rob Liefeld em X-Force — e os royalties serem quase inexistentes.

Mas com o tempo, e com o fim da musculada década de 90, a Image foi-se consolidando como editora e passou a ser considerada por diversos autores, já estabelecidos ou em início de carreira, como um meio viável e de reconhecida qualidade para publicar as suas criações mais pessoais, entre os quais Hellshock por Jae Lee, Astro City por Kurt Busiek, Brent Anderson e Alex Ross, Bone por Jeff Smith, Kabuki por David Mack, o universo 1963 escrito por Alan Moore ou The Walking Dead por Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard, este um conhecido e reconhecido sucesso comercial e artístico ainda em publicação.

O ano de 2008 seria um ponto de viragem para a editora ao contratarem Eric Stephenson para o cargo de Publisher. O discurso que proferiu em Fevereiro último no encontro em Atalanta dos membros da ComicsPro, uma associação de retalhistas de comics, é um bom exemplo da sua visão sobre a indústria e sobre o passado recente, o presente e o futuro da Image, onde um dos objectivos principais é diversificar as temáticas e estilos dos títulos publicados para alcançar outros públicos pouco ou nada habituados a lerem comics, e isto não com produtos derivados de séries de televisão ou filmes mas sim através da qualidade narrativa e gráfica das histórias.

Satellite Sam #9 de Matt Fraction e Howard Chaykin
Satellite Sam #9 de Matt Fraction e Howard Chaykin.

Neste últimos anos, e como consequência desta abertura, uma série significativa de bons autores começou a publicar através da Image e desses destaco Ed Brubaker (poderia bem ser Howard Chaykin com o seu Black Kiss ou Satellite Sam com Matt Fraction, mas Chaykin merece um texto só a ele dedicado) e os seus mais recentes títulos: Fatale com Sean Phillips e Velvet com Steve Epting, ambos exemplarmente coloridos por Bettie Breitweiser.

Brubaker, agraciado já por cinco vezes como Melhor Argumentista nos prémios Harvey e Eisner, é um dos meus escritores favoritos e um dos melhores a escrever séries negras e de espionagem, a reinventar super-heróis, ancorando-os em cenários credíveis e baseados na nossa realidade ou a criar personagens com passados misteriosos e conturbados. Não admira por isso que Brubaker atribua a sua vontade precoce de escrever histórias ao facto de ter acompanhado a sua mãe a encontros dos AA enquanto criança.

Fatale #23 de Ed Brubaker e Sean Philips
Fatale #23 de Ed Brubaker e Sean Philips.

Fatale é uma série negra com contornos sobrenaturais que relata a vida de Josephine, uma mulher fatal, aparentemente imortal — a narrativa decorre entre os anos de 1950 e 1990 — com a capacidade involuntária de manipular a vontade dos homens, ficando estes obcecados por ela. Sem surpresa, essas relações geralmente acabam mal até porque um sinistro culto que idolatra deuses cósmicos lovecraftianos persegue a Jo.

Publicada desde 2012, Fatale teve várias nomeações em 2013 nos prémios Eisner é a quarta série escrita por Brubaker e desenhada pelo talentoso Sean Phillips editada pela Image, depois de Sleeper, Criminal e Incógnito. A série terminou em Julho último com o número 24 mas a equipa criativa já iniciou em Agosto a publicação de mais um projecto promissor: The Fade Out, uma história policial negra — claro — que tem como cenário a Hollywood dos anos de 1940.

Velvet é a mais recente colaboração de Brubaker com Steve Epting depois das suas aclamadas passagens por Captain America, onde devolveram ao herói o clima de espionagem e intriga internacional dos anos 70, em particular na fase curta mas seminal de Jim Steranko. E aqui essa influência volta-se a sentir mas agora centrada numa personagem sem super poderes e considerada por Brubaker como uma das suas criações favoritas: Velvet Templeton, a assistente pessoal do Director da Arc-7, uma agência secreta de espiões, que se vê envolvida numa teia de mistérios, a começar pelo seu próprio passado.

Velvet #6 de Ed Brubaker e Steve Epting
Velvet #6 de Ed Brubaker e Steve Epting.

Steve Epting, influenciado por Jim Holdaway (Modesty Blaise), Al Williamson (Secret Agent X-9) ou Stan Drake (Kelly Green), desenha Velvet como uma mulher de aspecto clássico, elegante e atraente mas duro, a fazer lembrar a curta interpretação, para mim definitiva, de Natasha Romanova, a Black Widow, de Paul Gulacy (Bizarre Adventures nº 25, Marvel, 1981, argumento de Ralph Macchio) ou mesmo a Contessa Valentina Allegra de la Fontaine. Epting tem aqui neste argumento de Brubaker os elementos ideais para canalizar todo o seu talento ainda pouco reconhecido.

Se perderam os primeiros números, ambas as séries encontram-se disponíveis também em TPB pelo que recomendo vivamente a sua leitura.


André Azevedo escreve habitualmente no blogue A Garagem.

…E agora a nova Marvel

Marvel

Neste momento, entre principais editoras de comics, a Marvel é uma das mais inovadoras, tanto nos conceitos que apresenta, como no arrojo visual das suas histórias. A iniciativa Marvel Now!, além de em 2013 ter sido um sucesso comercial que permitiu à editora competir com a medíocre mas mediática iniciativa New 52 da DC Comics, a sua eterna concorrente, deu verdadeira liberdade criativa a diversas equipas de autores que, com a produção regular de trabalhos de qualidade, conseguiram a difícil tarefa — já lá vão 75 anos* de publicação ininterrupta — de renovar ou reafirmar a direcção de alguns personagens já históricos, de onde destaco: Captain América de Rick Remender e John Romita Jr., Winter Soldier de Jason Latour e Nic Klein; Thor: God of Thunder de Jason Aaron e Esad Ribic, Uncanny Avengers de Remender e John Cassaday, Thanos Rising de Aaron e Simone Bianchi e o surpreendente FF de Matt Fraction e Mike Allred.

Neste contexto, a All New Marvel Now! é um grande passo em frente na intenção da histórica editora em produzir comics com temáticas variadas e para públicos diferenciados, algo que não se via em tão larga escala desde a seminal linha Epic, mas dando agora merecido destaque a personagens maioritariamente fora da tipologia do típico super-herói e em séries a solo, outra das “novas” apostas da editora, já que a ênfase dos últimos anos foi mais nas séries de grupo, em particular os Avengers e X-Men. Das novas séries com heróis solitários, se uns têm sido produzidos com qualidade nos últimos anos, Daredevil e Punisher, outros nem sempre tiveram o seu potencial bem explorado, ou sequer série própria, como Iron Fist, Ghost Rider, Moon Knight ou Silver Surfer.

Mas são três novos títulos protagonizados por personagens femininas que aqui destaco: Black Widow, Ms. Marvel e Elektra, e que preconizam a direcção desta “nova” Marvel mais autoral e que procura replicar o, a partida improvável, sucesso de critica que foi, e é, o galardoado Hawkeye de Matt Fraction e David Aja com a fórmula simples, mas muitas vezes esquecida, de deixar os seus criadores… criarem.

Black Widow
Black Widow.

Um dos primeiros títulos foi Black Widow, onde podemos acompanhar o caminho de redenção de Natasha Romanova, uma implacável espiã russa que desertou para os EUA. Criada por Stan Lee, Don Rico e Don Heck em 1964*, em plena Guerra Fria, Black Widow tem um passado negro e algo obscuro – e retroactivamente actualizado, sistema este utilizado ad eternum pela Marvel com diferentes níveis de sucesso ou relevância – e quer agora redimir-se nesta nova série escrita espartanamente por Nathan Edmondson (Punisher) e superiormente desenhada por Phil Noto.

Desde logo a começar pelas capas, Noto canaliza todo o imaginário dos filmes de espionagem dos anos de 1960 e 1970, décadas de ouro para a ilustração americana onde Coby Whitmore, Robert McGinnis, Bob Peak ou Jack Potter pontificavam e são aqui notórias as suas influências gráficas e temáticas, onde algo de etéreo permanece dessa época nas ilustrações de Noto, quer na paleta impressionista das cores, quer nas linhas esquemáticas e simplificadas. As páginas 18 e 19 do segundo número são disto exemplo.

Ms. Marvel
Ms. Marvel.

E se, não raras vezes, os perigos vindos do oriente eram a maior preocupação dos agentes secretos clássicos, em Ms. Marvel a personagem principal é Kamala Khan, uma desbocada adolescente a viver em New Jersey, filha de pais imigrantes paquistaneses. Sendo este um típico comic da Marvel onde, entre lutas com supervilões e dilemas familiares, a personagem principal vive na dualidade entre o que os outros esperam dela a as suas próprias aspirações, não deixa de ser bem atípico pelo facto de Kamala ser muçulmana, resultando numa procura de identidade num contexto nada comum nos comics norte americanos.

Os desenhos de Adrian Alphona, num registo mais alternativo que o habitual na Marvel, caracterizam na perfeição toda a diversidade cultural dos vários intervenientes, desde a família e amigos de Kamala até aos seus colegas de escola tipicamente americanos, entre os quais procura integrar-se. No entanto, a argumentista G. Willow Wilson, ela própria convertida ao Islão, faz questão de afirmar que esta série não pretende ser panfletária e que se Kamala questiona a sua fé religiosa, esse é apenas um dos aspectos que formam a complexidade da sua personalidade e motivam-na na procura do equilíbrio entre a sua herança cultural e o facto de ter nascido americana e ser fâ dos Vingadores, em particular de Carol Denvers, a Ms. Marvel original.

Elektra
Elektra.

Por último, destaco Elektra, a nova série com argumentos de W. Haden Blackman e arte do incrível Michael del Mundo, que logo no primeiro número deixa bem clara a sua intenção: devolver à personagem o lugar de destaque que merece entre as principais personagens da Marvel.

Criada por Frank Miller em 1981, apareceu pela primeira vez no Daredevil nº. 168 como mercenária e ex-namorada de Matt Murdock e, até à sua morte no nº. 181, Miller foi compondo a sua personalidade de forma cada vez mais complexa e ambivalente, continuando esse percurso em Elektra Asssassin com Bill Sienkiewicz e finalizando em Elektra Lives Again, a genial e desvalorizada novela gráfica que escreveu e desenhou em 1990. Desde então sempre faltou um rumo à personagem que de vez em quando emergia em séries alheias ou em títulos próprios mas que em nada valorizavam ou acrescentavam ao que Miller já havia criado.

Entra Blackman e com ele uma escrita directa, sem recuos ou hesitações, que resumindo o passado de Elektra em páginas de extrema beleza desenhadas por Del Mundo e coloridas por Marco D’Alfonso, faz a personagem avançar na procura da sua identidade à muito perdida.

Em resumo: três séries diferentes entre si, mas visualmente marcantes e que procuram inovar, diversificar e consolidar a presença de personagens femininos fortes no universo Marvel.


André Azevedo escreve habitualmente no blogue A Garagem.