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Mistério e Alquimia

O segredo do Ruby e do Tawny

Sempre gostei de vinho do Porto. Mas, até há pouco tempo, pouco sabia acerca dele e nunca percebi porque havia um que se chamava Ruby e outro Tawny… Para mim era tudo vinho do Porto e nada mais…
Até que um dia conheci os Niepoort…
Pediram-me que lhes desenhasse uma história sobre o vinho do Porto que explicasse sobretudo as diferenças entre Ruby e Tawny. Empenharam-se em que eu percebesse bem todo o processo da sua elaboração desde o princípio. E abriu-se-me então todo um universo até aí desconhecido para mim. Primeiro, levaram-me ao Douro. Era a primeira vez que eu ia ao famoso vale encantado em escada… E conheci as vinhas, graficamente sinuosas com rio ao fundo, os lagares de granito, as pessoas que lá vivem, trabalham e cujos pés ainda pisam as uvas. (Porque, pelo menos para o vinho do Porto, parece que, felizmente, ainda não há nada tão bom que possa substituir as pessoas…)
Começou então o desvendar do segredo do Ruby e do Tawny, uma história de mistério e alquimia: Ao líquido doce das uvas pisadas é misturada aguardente. Forte (77%). Nas semanas seguintes, estes dois líquidos vão combinar-se num único e mesmo vinho, o que pára o processo de fermentação e faz com que o doce permaneça. Mas, nessa altura, ainda não é vinho do Porto, muito menos Ruby ou Tawny. Está numa fase de gestação… Ao fim de seis meses, dá-se então o nascimento do Ruby e do Tawny… Nessa altura, eles têm que partir e deixar o Douro para sempre, rio abaixo, até às misteriosas e sombrias caves em Gaia.

E a luz radiante do Douro dá lugar a uma luz escassa, filtrada, mágica. Em vez de vinhas, há filas e filas de balseiros, de tonéis, pipas e barris. Se não soubéssemos que aquilo é mesmo real, dir-se-ia que tudo foi estrategicamente estudado para criar um cenário fantástico e cinematográfico: até o bolor negro e as teias de aranha das paredes parecem ter sido colocados ali de propósito para aumentar o suspense e aquela arquitectura vertiginosamente desnivelada e angulosa da escarpa do Douro poderia ter sido cuidadosamente planeada para obter uma perfeita mise-en-scene. Aqui, apesar de partilharem o mesmo tecto, o Ruby e o Tawny vão ganhar personalidades completamente diferentes há medida que o tempo avança.
Quando chegam a Gaia, o jovem Ruby é colocado em tonéis grandes durante um período de tempo que, falando em linguagem de vinho do Porto, se considera curto: 2 a 6 anos. Depois é engarrafado e é aí que vai envelhecer e ganhar as características que lhe dão nome. Ao ser colocado em garrafa muito jovem, está menos exposto à oxidação e vai preservar o gosto, aroma e cor do fruto de lhe deu origem: vermelha, Ruby. Por seu turno, o Tawny é colocado em cascos pequenos que o deixam respirar e é aí que envelhece durante anos e anos. Com o tempo, oxida, a sua cor torna-se dourada, o que também justifica o seu nome: Tawny. Torna-se sofisticado, delicado no aroma e ganha a sabedoria que só a idade permite… Assim me foram apresentadas as personagens principais da história que eu devia desenhar. Mas o Ruby e o Tawny não eram, para mim, os únicos elementos importantes… esses lugares especiais onde tudo se passa e todas as pessoas que fui seguindo para compreender a história também faziam parte dela: se imediatamente associei o Ruby e o Tawny aos gémeos TweedleDum e TweedleDee da Alice…, o Douro e as caves de Gaia fazem-me lembrar os lugares fantásticos do próprio País das Maravilhas e, cada pessoa que conheci, uma das suas personagens.
Desenhei-os então, nesta livre adaptação de Alice no País das Maravilhas: Começa numa cidade cinzenta, com homens cinzentos, todos iguais, todos demasiado ocupados. Mas, subitamente, surge o Coelho Branco não se sabe de onde e desaparece numa ruela escura. Um dos homens cinzentos segue-o e descobre uma pequena porta ao fundo do beco, por onde certamente o coelho desapareceu. O buraco da fechadura tem a forma de um copo por onde escapa um raio de luz. Intrigado, o homem cinzento abre a portinha e espreita… e aí descobre o País de Maravilhas do vinho do Porto: o Douro, os lagares, as caves. Aqui há contrastes de luz e sombra, há alegria, cor e todas as personagens são distintas umas das outras, é tudo bem diferente da cidade cinzenta…
Alice e todas as outras personagens estão ocupadas no processo de elaboração do vinho do Porto. Nascem então o Ruby e o Tawny, aos quais dei os nomes de RubyDum e TawnyDee. No início, são gémeos siameses, depois separam-se, passam por diferentes etapas e envelhecem cada um à sua maneira. Têm fatos de banho e barbatanas porque, afinal, passam toda a sua vida mergulhados num meio líquido, têm que estar bem equipados! O Coelho Branco, obviamente, é o Mestre do Tempo, é quem sabe gerir o segredo do envelhecimento do vinho do Porto. Quando o RubyDum e o TawnyDee já estão nas suas respectivas garrafas, todas as outras personagens se retiram sorrateiramente para que eles possam adormecer e envelhecer em paz.
O homem cinzento, que observara toda a cena, decide então deixar a cidade cinzenta e entra pela portinha secreta para o País das Maravilhas. Mas ele é grande demais, disforme, desajustado a este Universo. É então que prova o vinho das garrafas onde se lê “Drink Me”. O RubyDum e o TawnyDee, tal como génios, libertam-se da garrafa mágica e o homem cinzento transforma-se então em mais uma personagem da história. Todas estas personagens existem de facto… sei quem elas são, encontrei-as uma por uma ao longo da minha aprendizagem sobre o vinho do Porto: são a equipa Niepoort, gente apaixonada pelo que faz. Em cada uma delas reconheci uma personagem de Alice no País das Maravilhas: a própria Alice, o Coelho Branco, a Rainha de Copas, o gato de Cheshire, o Chapeleiro Maluco, até o homem cinzento que se transforma em personagem do vinho do Porto ao prová-lo. Foi um prazer e um privilégio enorme para mim conhecê-los. Esta história é para eles. | Regina Pessoa


Mistério e alquimia

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Mistério e alquimia


Data

De 19 de Dezembro de 2009 a 24 de Janeiro de 2010

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Regina Pessoa
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Filmógrafo


Esta exposição contou com o apoio da Niepoort.

Kaleidoscope City

Aqui, ao meu lado, pousado em cima da mesa, tenho um livro. “The Timeless Way of Building” de Christopher Alexander. Editado em 1979, é todo um clássico para quem trabalha em arquitectura, urbanismo, e por muito estranho que possa parecer, em desenho de software e programação. Muito resumido, fala de edifícios e cidades, do modo de fazer, do belo, do que é familiar, do inominável, de sustentabilidade, e sobretudo, de como os padrões ajudam a resolver problemas.
O mais curioso, ou aquilo que chama logo à atenção, é a forma como o próprio livro está organizado. Em cada capítulo, logo a seguir ao título, há um grupo de imagens, a preto e branco, sem legendas ou ordem aparente, que funciona como breve introdução visual ao que é abordado no texto. O objectivo é simples, folheando, temos uma apresentação visual do conteúdo. Se o tempo é pouco, também não somos obrigados a ler tudo, as frases em itálico que estão espalhadas pelo texto resumem aquilo que é principal. Se estivermos com mais disponibilidade, então lemos o início, o itálico e o fim de cada capítulo. Ou seja, numa hora ficamos a compreender o todo pelas partes, e então, se quisermos saber detalhes, avançamos para uma leitura completa. A sugestão é do próprio Christopher, que assim, não fez mais do que exemplificar a utilidade dos padrões.

Saltando para a ilustração, há ilustradores que são imediatamente identificados pela liberdade do traço, estranheza da figura humana ou ainda pela paleta de cores que usam, muito pessoal e aparentemente intransmissível. A tudo isto podemos juntar um tema, ou melhor, um tema recorrente. O de Marcellus Hall é Nova Iorque e quem nela vive. Dito assim parece simples, mas não é. Quando falamos de Nova Iorque, ou de qualquer outra grande cidade, falamos de bairros, ruas, lugares, lojas e arranha-céus, anúncios publicitários, monumentos, jardins, luzes e ruído, de betão, cimento e algum tijolo. E tudo tem um nome próprio, neste caso: Chinatown, Brooklyn, East Broadway, South Street Seaport, Central Park, 40/40 Club, Bryant Park Hotel, Hudson Bar, Moomba, root beer, medallion taxi, johnny pump, MoMA e um longo etc.

Depois segue-se quem lá vive, trabalha, está de passagem, visita uns amigos ou acabou de chegar e olha para o mapa com inquietação. Mais ainda: o que vestem, comem, lêem, como andam, amam, abraçam e outro longo etc. O problema, como é óbvio, está em ilustrar tudo isto. Não se ilustra, é a resposta. Ou melhor, puxamos de um caleidoscópio, apontamos para a cidade, vamos rodando e ilustrando as partes. Rodamos para Chinatown, esboçamos a multidão que inunda as ruas em hora de compras; rodamos para East Broadway, fixamos um fim de tarde com a silhueta do monumental edifício dos serviços municipais da cidade; rodamos para South Street Seaport, apanhamos um engalanado dia de foguetório nacionalista; em Central Park, um casal na relva, ele indiferente, ela pronta para pôr um ponto final no namoro; em Red Hook, músicos, malabaristas, dançarinas e mágicos numa antiga e mítica barcaça dos caminhos de ferro; rodamos uma última vez, vislumbramos Adão e Eva, expulsos de Manhattan, a correr pela ponte de Brooklyn em direcção ao novo paraíso. É assim, pelas partes, pelo padrão, pelas semelhanças, que chegamos à cidade. E quem faz isso, ilustra o todo. E é o que Hall faz. Talvez por isso, os prédios e ruas que ilustra são tão carne e osso como quem neles vive ou por elas se passeia. | Paulo Patrício


Marcellus Hall

Marcellus Hall

Marcellus Hall

Marcellus Hall

Marcellus Hall

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Data

De 29 de Novembro de 2008 a 4 de Janeiro de 2009

Links de interesse

Marcellus Hall
Site do autor


As fotografias 3, 4 e 5 são de Mário Venda Nova.