Aqui, ao meu lado, pousado em cima da mesa, tenho um livro. “The Timeless Way of Building” de Christopher Alexander. Editado em 1979, é todo um clássico para quem trabalha em arquitectura, urbanismo, e por muito estranho que possa parecer, em desenho de software e programação. Muito resumido, fala de edifícios e cidades, do modo de fazer, do belo, do que é familiar, do inominável, de sustentabilidade, e sobretudo, de como os padrões ajudam a resolver problemas.
O mais curioso, ou aquilo que chama logo à atenção, é a forma como o próprio livro está organizado. Em cada capítulo, logo a seguir ao título, há um grupo de imagens, a preto e branco, sem legendas ou ordem aparente, que funciona como breve introdução visual ao que é abordado no texto. O objectivo é simples, folheando, temos uma apresentação visual do conteúdo. Se o tempo é pouco, também não somos obrigados a ler tudo, as frases em itálico que estão espalhadas pelo texto resumem aquilo que é principal. Se estivermos com mais disponibilidade, então lemos o início, o itálico e o fim de cada capítulo. Ou seja, numa hora ficamos a compreender o todo pelas partes, e então, se quisermos saber detalhes, avançamos para uma leitura completa. A sugestão é do próprio Christopher, que assim, não fez mais do que exemplificar a utilidade dos padrões.
Saltando para a ilustração, há ilustradores que são imediatamente identificados pela liberdade do traço, estranheza da figura humana ou ainda pela paleta de cores que usam, muito pessoal e aparentemente intransmissível. A tudo isto podemos juntar um tema, ou melhor, um tema recorrente. O de Marcellus Hall é Nova Iorque e quem nela vive. Dito assim parece simples, mas não é. Quando falamos de Nova Iorque, ou de qualquer outra grande cidade, falamos de bairros, ruas, lugares, lojas e arranha-céus, anúncios publicitários, monumentos, jardins, luzes e ruído, de betão, cimento e algum tijolo. E tudo tem um nome próprio, neste caso: Chinatown, Brooklyn, East Broadway, South Street Seaport, Central Park, 40/40 Club, Bryant Park Hotel, Hudson Bar, Moomba, root beer, medallion taxi, johnny pump, MoMA e um longo etc.
Depois segue-se quem lá vive, trabalha, está de passagem, visita uns amigos ou acabou de chegar e olha para o mapa com inquietação. Mais ainda: o que vestem, comem, lêem, como andam, amam, abraçam e outro longo etc. O problema, como é óbvio, está em ilustrar tudo isto. Não se ilustra, é a resposta. Ou melhor, puxamos de um caleidoscópio, apontamos para a cidade, vamos rodando e ilustrando as partes. Rodamos para Chinatown, esboçamos a multidão que inunda as ruas em hora de compras; rodamos para East Broadway, fixamos um fim de tarde com a silhueta do monumental edifício dos serviços municipais da cidade; rodamos para South Street Seaport, apanhamos um engalanado dia de foguetório nacionalista; em Central Park, um casal na relva, ele indiferente, ela pronta para pôr um ponto final no namoro; em Red Hook, músicos, malabaristas, dançarinas e mágicos numa antiga e mítica barcaça dos caminhos de ferro; rodamos uma última vez, vislumbramos Adão e Eva, expulsos de Manhattan, a correr pela ponte de Brooklyn em direcção ao novo paraíso. É assim, pelas partes, pelo padrão, pelas semelhanças, que chegamos à cidade. E quem faz isso, ilustra o todo. E é o que Hall faz. Talvez por isso, os prédios e ruas que ilustra são tão carne e osso como quem neles vive ou por elas se passeia. | Paulo Patrício
Data
De 29 de Novembro de 2008 a 4 de Janeiro de 2009
Links de interesse
As fotografias 3, 4 e 5 são de Mário Venda Nova.