Quem acompanha – mesmo que ocasionalmente – o que vou escrevendo, sabe que os comics de super-heróis nunca foram o meu género de eleição. Mesmo assim, deixo de seguida uma lista de cinco histórias sem as quais eu não seria o mesmo leitor.
Da minha infância/juventude, tenho memórias esparsas das revistas de super-heróis que li. Tenho uma vaga ideia de revistas brasileiras (da Ebal?) a preto e branco e grande formato — Marvel ou DC? — vistas em casa da minha madrinha; recordo uma ou duas edições do Homem-Aranha, da Agência Portuguesa de Revistas, que tive; lembro uns formatinhos (emprestados) deste mesmo herói; evoco duas edições brasileiras de melhor qualidade – Superman e Lanterna Verde/Arqueiro Verde, que ainda estão algures aqui por casa – compradas num pacote-mistério ((Nos anos 1980/1990, em Portugal, havia sobras de revistas de BD que não eram destruídas; eram vendidas mais tarde, em envelopes surpresa, com exemplares sortidos.)).
E, no que aos super-heróis diz respeito, no formato papel, pouco mais…
Até que, em 1983, pela primeira vez, uma BD de super-heróis marcou-me profundamente, sendo mesmo uma das que “me fizeram dar o salto da BD infanto-juvenil de aventura e humor para uma outra de temática mais adulta” ((Citando o que escrevi há dias, a propósito das 50 edições de BD que fizeram de mim o leitor que sou hoje, em 50 Anos, 50 Edições: (II) 1983-1985)).
Era a primeira parte de Snowbirds don’t fly, uma aventura da dupla Green Lantern/Green Arrow, em que este último descobre que Speedy é um drogado. Lida nas páginas do Mundo de Aventuras – revista em que fiz a minha formação aos quadradinhos – mas nunca concluída, deixou-me durante (muitos) anos suspenso do seu desfecho.
Teria ainda de esperar pelo final dos anos 80, quando vi na montra da Bertrand, no Centro Comercial Brasília, uma edição que me chamou a atenção. “O primeiro impacto surgiu pelo aspecto diferente”: era a edição brasileira, formato comic, da Editora Abril do primeiro volume de The Dark Night Returns. Depois, “o traço e a fabulosa história de Miller fizeram o resto…” ((In 50 Anos, 50 Edições: (III) 1986-1993))
Foi a partir daí que comecei a prestar mais atenção ao género e, mesmo não me tendo tornado um grande leitor de comics, vou tentando acompanhar o que de mais interessante – do meu ponto de vista… — vai acontecendo.
É por estas razões – e outras mais – que estas duas histórias estão na lista de cinco comics de super-heróis que fazem parte da minha vida e sem os quais eu não seria o mesmo leitor.
Green Lantern/Green Arrow: Snowbirds don’t fly
De Denny O’Neil e Neal Adams. Datada da década de 1970, está incluída num arco mais largo que representam um dos primeiros e maiores expoentes de realismo que os comics de super-heróis já assumiram. Com os Estados Unidos vergados ao pesadelo da guerra do Vietname, e com a sombra dos assassinatos de John Keneddy e Martin Luther King, O’Neil e Adams levam os seus heróis numa viagem por uma América profunda, repleta de contrastes e de podres, bem longe dos ideais de igualdade do sonho americano e das divisões absolutas bem/mal ou certo/errado com que Green Lantern via o seu mundo.
Batman: The Dark Night Returns
De Frank Miller, Klaus Janson e Lynn Varley. O regresso de Batman após dez anos reformado, para fazer face à corrupção crescente e a um bando que aterroriza a sua sempre querida Gotham, num espelho do desencanto americano com a governação Reagan, mostrado como uma caricatura nesta obra.
Uma história dura, violenta, explosiva, narrada a um ritmo absorvente, pautado pela cadência da informação televisiva que vai conduzindo o relato e mantendo o leitor a par das diferentes evoluções e pontuada por momentos fortes – como o combate com o líder mutante na lixeira ou o confronto Batman/Superman.
Se a violência nela mostrada pode hoje ser considerada normal, quando The Dark Night Returns surgiu nunca tinha sido visto nada assim nos comics e estes nunca mais foram os mesmos.
Daredevil: Born Again
De Frank Miller e David Mazzucchelli. Uma das raras bandas desenhadas que comprei nos formatinhos brasileiros, é uma obra complexa e muito estruturada, assente na exposição controlada de emoções e com uma violência invisível mas latente, rara em histórias de super-heróis, devida ao tom extremamente realista que exibe.
Born Again é o relato da queda de Daredevil/Matt Murdock, perdendo namorada, amigos, emprego, identidade ou posição social, devido a um plano de vingança de Kingpin, mas vai bem mais além disso, transfigurando-se na narrativa da redenção do herói, mais forte e mais capaz, numa notável declaração de humanidade e de confiança no melhor do ser humano.
Frank Miller – que passei a acompanhar depois de The Dark Night Returns — constrói uma narrativa forte e densa, com intervenientes marcantes, bem acompanhado no desenho e na planificação por David Mazzucchelli que explana o tom sombrio da narrativa e a escuridão que Murdock foi obrigado a atravessar.
Superman: For All Seasons
De Jeph Loeb e Tim Sale. Esta mini-série seduziu-me primeiro pelo traço límpido e fino de Tim Sale e pelas cores claras e quentes que o servem – mais próximos da BD franco-belga que é a minha praia…?
Depois – mas mais importante – veio a história de Jeph Loeb. O recontar da origem de Superman, num relato que oscila entre este e o pacato e crédulo Clark Kent, na passagem de Smalville para Metropolis, através das relações fortes que estabeleceu com os que lhe eram mais próximos, num percurso iniciático em que foi descobrindo as suas forças mas, também, principalmente, as suas fraquezas e as suas limitações, para aprender a superá-las, antes de se transformar no maior herói da Terra.
Marvels
De Kurt Busiek e Alex Ross. O relato do aparecimento dos primeiros super-heróis Marvel, vistos tanto como “maravilhas” – no trocadilho com o original “marvels” – quanto como ameaças para os cidadãos comuns, pelo olhar apurado e competente de um fotógrafo rendido aos novos seres.
Narrativa humanizada das histórias de super-heróis tradicionais, balizada por momentos fortes da história dos comics Marvel, é extremamente valorizada pelo traço híper-realista de Alex Ross que confere outro impacto e força à bem urdida história de Kurt Busiek.
Pedro Cleto escreve habitualmente no blogue As Leituras do Pedro.
Boa tarde
À exceção do Super-homem, de Loeb&Sale, todas são obras marcantes, inovadoras e até revolucionárias. Embora, como a minha, essa lista seja muito convencional…
A minha lista: Master of Kung Fu (Gulagy/Moench); Warlock (Jim Starlin); The Dark Knight returns (Miller/Janson/Varley); Watchmen (Moore/Gibbons); Daredevil: Born Again (Mazzuchelli/Miller).
Mas podia escolher já outros cinco, e mais cinco, tudo isso sem sair do mundo dos comics americanos…
Boa tarde Artur,
Dos que cita, não incluí o Watchmen, por não ser um comic de super-heróis convencional, mas é uma das grandes obras de BD que eu li.
Boas leituras!
Pedro, esclareço os leitores que alterei o título para não chegar a ocupar três linhas que era originalmente “Cinco comics de super-heróis que fazem parte da minha vida”.
De qualquer modo, a lista é que é curta… porque Watchmen é super-heróis, tão pouco convencional, ou não, como The Dark Knight Returns (por exemplo) ou qualquer comic desses de alguma ruptura com o passado.
Mas hoje, diria que são comics normais, tendo na minha modesta opinião Watchmen suportado o tempo infinitamente melhor que The Dark knight Returns.
Bom dia.
Espetacular texto. Sinceramente, Daredevil Born Again também é a minha história preferida de banda desenhada de sempre. Também adoro a história do Lanterna Verde e do Arqueiro.
Parabéns pelo texto.
Tiago Veloso.
Sinceramente…
Pá, depois de ter visto Frank Miller uma vez (no Demolidor na revista Superaventuras Marvel, onde tinha uma data de outras coisas que considerava fabulosas (incluindo os X-Men de Claremont/Byrne, o Mestre do Kung Fu de Moench/Zeck, os Eternos de Kirby e a Tropa Alfa de Byrne), não precisava de o ver outra vez em DKR. Aliás, prefiro ver Miller a trabalhar com David Mazzuchelli, porque “A Queda do Murdock” e o “Batman: Ano Um” têm uma identidade completamente diferente.
Marvels é bom, mas o que o torna diferente é o completo corte com a linguagem visual da altura, o “bad ass mothafucka com problemas de auto-estima”. Marvels funciona em 1994, mas nunca teria funcionado em 1988, nem em 2002. Aliás, conta como uma observação sobre um período histórico, mas não se compara com o que Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko faziam acidentalmente nos anos 60.
Realmente, se queres reter alguma coisa de Marvel durante a época Abril (sem contar com os X-Men, Shang Chi, Demolidor e Tropa Alfa que eu já mencionei), é preferível reveres o Thor de Walt Simonson, o Quarteto Fantástico de John Byrne, os Novos Mutants de Claremont/Sienkiewicz, o Cavaleiro da Lua de Moench/Sienkiewicz, o Ka-Zar de Bruce Jones/Brent Anderson, os Vingadores de Roger Stern (com Al Milgrom ou John Buscema), o Homem-Aranha de Stern/JR Jr. e o Hulk de Mantlo/Sal Buscema. Foi mais nessa época do que nos anos 70 (mesmo com o Adam Warlock de Starlin que mencionaram mais acima) que a Marvel foi mais bem-sucedida a escar às limitações do género de super-heróis. E, tal como Stan, Jack e Steve, foi feito de modo acidental, e não planeado.
Paulo Costa
O Frank Miller fez mais coisas boas: Ronim, Sin City, 300… e outras muito más!
Os cinco livros que citei, foram importantes para mim, quando os li, como explico na introdução.
Não quero reter outras coisas da Marvel – já vou tarde para isso! – até porque ‘Marvel pura e dura? (super-grupos, aventuras cósmicas…) está muito longe das minhas preferências…
De qualquer forma, obrigado pela troca e impressões e pelas sugestões!
Boas leituras!