Exposições, debates, lançamentos, mercado do livro, conversas informais e desenhos à volta de boa comida, bons copos e amigos. E com isto se faz o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja (FIBDB), que abriu no passado dia 31 de Maio a sua 10ª. edição, num Sábado relaxado e solarengo em plena planície alentejana.
Com o apoio de uma pequena mas coesa equipa de colaboradores, entre eles a imparável Susa Monteiro, a autora do cartaz deste ano, Paulo Monteiro, o director da Bedeteca e mestre-de-cerimónias, fez com que os inúmeros eventos programados começassem a horas, em particular os lançamentos de livros e apresentações de projectos que aconteceram no 1º. piso da Casa da Cultura, e isto sempre com o seu profissionalismo informal já habitual, demonstrando na prática que os tradicionais atrasos ou tolerâncias horárias nacionais podem e devem ser modificados.
O público poderá visitar até 15 de Junho 21 exposições, na sua maioria na Casa da Cultura, a sede do Festival, mas com núcleos espalhados um pouco por todo o centro histórico da cidade, onde autores portugueses, a maioria e de qualidade elevada, e de diversos países — Brasil, Itália, França, Reino Unido, México, Finlândia, Angola ou Letónia, entre muitos outros — representam uma boa selecção dos vários estilos gráficos e narrativos que a banda desenhada possibilita, todos expostos sem dogmas e num festival único a nível nacional, que se assume, e é-o de facto, de vanguarda.
Um dos pontos altos desta edição é a exposição de 18 pranchas originais de Guido Crepax (1033-2003), o talentoso mestre milanês formado em Arquitectura, criador de Valentina e de outras personagens femininas de carácter forte e independente – Bianca, Anita ou Belinda — que se tornaram referências na emancipação da mulher e da revolução sexual nos anos de 1960 e 70.
Assim, numa iniciativa de Manuel Espirito Santo através da sua Invicta Indie Arts, o público poderá apreciar no núcleo da Rua dos Infantes do Museu Regional de Beja (e não na Casa da Cultura onde mereceria sem dúvida ficar junto com núcleo principal do Festival), pranchas de grande formato que confirmam o imenso talento de Crepax, desde as primeiras pranchas de Neutron, a série de ficção-científica que o autor criou em 1965 e onde Valentina apareceu pela primeira vez, até à sua adaptação do Drácula de Bram Stoker já em 1987.
Outra exposição em destaque e presença bem agradável foi a de Laerte, o conhecido autor brasileiro criador, entre muitos outros personagens, dos anárquicos Piratas do Tietê e que desde 2009 se assumiu como travesti. Só por si este facto não teria a mínima relevância se não tivesse sido um dos catalisadores para que as tiras humorísticas da (agora) autora sofressem uma notória evolução, quer no maior arrojo gráfico, quer nas questões mais filosóficas que recorrentemente levantam.
Não posso também deixar de destacar a presença do britânico David Lloyd, que divulgou o seu projeto digital Aces Weekly e, em dois dedos de conversa, falou inevitavelmente sobre a sua colaboração com Alan Moore na criação da seminal série V for Vendetta e da máscara agora usada por grupos anónimos de intervenção politica e social.
Muito esperado é sempre o Mercado do Livro. Instalado no exterior da Casa da Cultura os visitantes, munidos das suas listas de procuras, poderão encontrar várias novidades editoriais e fundos de catálogo a preços convidativos. E aqui vale mesmo a pena passar algum tempo à procura de alguma pérola que tenha passado despercebida a olhares menos atentos, como por exemplo O Falcão nº 1000 com a arte do Alberto Breccia, que encontrei soterrado debaixo de uma pilha de mangás, ou ainda ter o gosto de desprezar edições que mesmo a preço reduzido são de péssima qualidade como é o caso do primeiro volume — e único até à data —, do Mort Cinder: Os Olhos de Chumbo de Oesterheld e Breccia, editado pela Asa em 2005.
Em resumo: Este é um grande evento sobre banda desenhada, o melhor a nível nacional, que mantém a saudável intenção de juntar autores consagrados, portugueses e estrangeiros, com autores que começam agora o seu percurso, conferindo uma atmosfera muito especial ao festival, onde o clássico e o contemporâneo se juntam para mostrar os caminhos a trilhar no futuro.
André Azevedo escreve habitualmente no blogue A Garagem.