Categoria: Banda Desenhada

Diversão no parque

A relação entre a banda desenhada e a temática policial é quase tão antiga como os próprios quadradinhos.

Parker, de Darwyn Cooke, é um dos mais recentes exemplos de sucesso.

Entre aqueles que inauguraram esta relação, dois dos mais significativos são Dick Tracy ((Criação de Chester Gould (1900-1985), estreou-se no Chicago Tribune a 4 de Outubro de 1931; apesar do seu traço caricatural, pode ser considerado um dos mais duros e violentos registos policiais em BD.)) e Secret Agent X-9 ((Detective antes de se distinguir como agente do FBI, o agente secreto X-9, que o Jornal de Notícias publicou durante décadas, surgiu a 22 de Janeiro de 1934, no Evening Journal. Era escrito pelo romancista Dashiel Hammett (1894-1961), criador do detective Sam Spade e do aventureiro Continental Op, que serviram de inspiração para este herói de BD. O desenhador era Alex Raymond (1909-1956), que anos depois, em 1946, criaria um outro detective de referência: o fleumático Rip Kirby.))

Não sendo intuito deste artigo debruçar-se exaustivamente sobre a banda desenhada de temática policial, não consigo deixar de citar mais quatro obras paradigmáticas, embora díspares em termos de origem geográfica, público-alvo e conceitos. São elas Ric Hochet ((Publicado em profusão nas páginas da revista Tintin portuguesa, Ric Hochet estreou-se na sua congénere belga em 30 de Março de 1955; curiosamente, as suas primeiras histórias eram contos ilustrados que, antes do desfecho, desafiavam o leitor a descobrir o criminoso. Os seus criadores foram André-Paul Duchateau (1927-), também autor de dezenas de romances policiais, e Tibet, pseudónimo de Gilber Gascard (1931-2010).)), as adaptações efectuadas por Jacques Tardi (1946-) ((A partir dos romances policiais do francês Léo Mallet (1909-1996), protagonizados pelo detective Nestor Burma.)), Sin City ((Policial negro, hiper-violento, escrito e desenhado por Frank Miller desde Abril de 1991, quando a primeira história curta foi publicada na revista Dark Horse Presents Fifth Anniversary Special.)) e Julia ((Ou J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga na versão brasileira da Mythos Editora que é distribuída em Portugal. Criação de Giancarlo Berardi para a Sergio Bonelli Editore, surge mensalmente em Itália desde Outubro de 1998.)).

Parker: Slayground

Parker: Slayground

Parker: Slayground

Parker: Slayground

Parker: Slayground

Richachard’s Stark’s Parker: Slayground

De Darwyn Cooke. Mas entremos – finalmente! — em Parker, que a introdução já vai longa. Contrariamente ao que é mais habitual na temática policial, Parker é um criminoso, que se distingue pelos golpes, geralmente levados a cabo em grupo, cuidadosamente seleccionados e preparados — o que não é sinónimo de que tudo resulte da forma que foi imaginada, para bem da história.

Longe dos conceitos de anti-herói ou de criminoso sedutor, Parker é insensível, determinado, sem ser partidário da violência mas não tendo pejo em utilizá-la, e distingue-se pela forma fria e calculista como passa pelas histórias, abdicando de amigos ou de sócios do momento, em nome do seu bem-estar e dos objectivos — quase sempre dinheiro – que se propôs.

Criação literária de Donald Edwin Westlake (1933–2008) ((Escritor norte-americano, responsável por mais de uma centena de livros de temática variada, mas em que se destacam os de cariz policial. Estreou Parker em 1962, em The Hunter, tendo-o levado a protagonizar outras 16 histórias até 1974; promoveu o seu regresso em 1997, para mais 7 livros.)) as histórias protagonizadas por Parker são apelativas pela forma como equilibram acção, suspense e emoção, em doses não equitativas, pela originalidade das situações criadas e pelos desvios surpreendentes à linha narrativa originalmente explanada.

Isso foi transposto com fidelidade para a BD por Darwyn Cooke, que teve a capacidade – nem sempre presente quando se trata de adaptações – de transpor o espírito do original para as suas pranchas ao mesmo tempo que exibe as características próprias do novo suporte; ou seja, no Parker da BD não há longas transcrições/versões do texto original, pelo contrário Cooke aposta claramente no predomínio narrativo do desenho, como aliás fica evidente — de forma muito marcada – no livro que hoje me ocupa, complementada com monólogos/diálogos sóbrios, contidos e incisivos, que contribuem para que o leitor tenha de mergulhar nas pranchas para usufruir plenamente do que se desenrola perante os seus olhos.

Slayground – o quarto volume de Parker, versão Darwyn Cooke – retoma um romance de 1971 que, de alguma forma, explora de forma original o conceito de narrativa em espaço fechado, uma vez que a maior parte da acção decorre no interior de um parque de diversões encerrado durante o Inverno – por isso sob neve e frio intenso. O recurso ao azul acinzentado como única cor a compor e a dar volume ao traço preto, contribui para reforçar a sensação de frio e ajudar o leitor a embrenhar-se mais no ambiente pretendido, ao mesmo tempo que de certa forma lhe confere um tom retro que a aproxima da época anos 1960/1970 — em que a acção se passa.

O início deste tomo — leia-se quase uma vintena de páginas — é magnífico, com um assalto a uma carrinha blindada e consequente fuga de Parker e dois parceiros, a serem narrados (quase) sem recurso a palavras, numa planificação com vinhetas desprovidas de contornos que parecem tornar maior o espaço – aumentando a área branca, de neve… — em que as cenas se desenrolam. Em complemento, Cooke acrescenta sucessivas mudanças de ritmo, como é o caso do despiste subsequente (quase) em câmara lenta, que contrasta com a perseguição em alta velocidade que até aí decorria, aumentando a adrenalina do assalto que ainda pulsava.

Sobrevivente em fuga com parte do produto do roubo, Parker refugia-se – numa armadilha sem saída…? — no tal parque de diversões encerrado, onde se verá envolvido com gangsters à procura de dinheiro fácil e polícias corruptos, num relato cujo móbil, com o correr das páginas, passará a ser a vingança.

Por influência (?) do espaço em que tem lugar e/ou devido a alguns dos estratagemas a que Parker recorre, a verdade é que a narrativa – apesar dos momentos de tensão e da violência que lhe são inerentes – acaba por assumir um (surpreendente) tom de quase diversão que, a par com o limitado cenário de acção, são as principais notas distintivas de Slayground.

Hesitei em incluir estas últimas linhas – porque o texto já vai longo — mas acabei por considerar que fazem, todo o sentido.

Este tomo fecha com a adaptação de The Seventh (narrativa de 1966), uma história curta de uma dezena de pranchas que parece contrariar o que atrás escrevi, pois há um (quase) excesso de texto de apoio para contextualizar a (curta) acção que nos é descrita, mas, no entanto, a opção de Cooke não poderia ter sido outra para fazer funcionar o ‘gag’ final que justifica o título – e fazer a ligação com Slayground pela utilização do humor, negro.

Sugestões #52

Encomenda de Setembro 2014
A colecção 20th Century Boys.

Para combater o mau tempo, temos excelentes sugestões para iluminar o espírito, a destacar Spider-Woman #1 por Dennis Hopless e Greg Land, Superior Iron Man # por Tom Taylor e Yildiray Cinar ambos na Marvel, Gotham by Midinight # Ray Fawkes e Ben Templesmith na DC, Odyc #1 por Matt Fraction e Christian Ward e Tooth and Claw #1 por Kurt Busiek e Ben Dewey ambos na Image e Mouse Guard: Baldwin the Brave por David Peterson na Boom Studios! E aproveitem para passar na livraria porque este mês chegou uma das maiores encomendas de que há memória e estamos cheios de novidade e muitos e bons títulos para para excelentes momentos de lazer. Boas leituras!

Marvel para assinatura

Captain America and the Mighty Avengers #1

Por Al Ewing e Luke Ross. Sam Wilson tornou-se o Captain America, e quando reúne os Mighty Avengers, ele tem uma missão em mente para a nova equipa. Mas os eventos ocorridos no Axis preconizam o fim dessa equipa. E o que é que Luke Cage pretende ao reunir-se com o líder da notória corporação Cortex? E porquê que o Spider-Man tenta voltar para a equipa? Ele não sabe que o Luke Cage e a Jessica Jones estão mortinhos por ajustar contas com ele, desde que tentou levar a filha deles para o Serviço de protecção de menores, nos tempos idos do “Superior Spider-Man”! Eles são os Avengers do povo, para o povo, ajudando quem precisa não importa como.

Superior Iron Man #1

Por Tom Taylor e Yildiray Cinar. Sê superior! Quanto pagarias pela perfeição? Beleza? Imortalidade? Tony Stark sabe como, e ele está pronto para o mostrar! Mas a um preço terrível. Dos eventos do Avengers & X-Men: Axis, o velho Tony Stark está de volta, mas agora é Superior! Com mais estilo, mais confiança e manhas do que alguma vez teve. Ele está pronto para te guiar para o futuro e San Francisco está prestes a tornar-se no protótipo do seu novo conceito global. O primeiro passo será libertar o Extremis na cidade. Apenas Daredevil não concorda com a nova visão do futuro de Stark e o Superior Iron Man vai ter de o enfrentar!

All New Captain America #1

Por Rick Remender e Stuart Immonen. Sam Wilson é o novo Captain America e as suas aventuras de Nomad começam aqui. A Hydra está a crescer, a organização terrorista está infiltrada no universo Marvel. Mas qual é o seu objectivo? Unidos pela Hydra, todos os adversários do Captain America são reunidos para o destruir.

Spider-Woman #1

Por Dennis Hopeless e Greg Land. Jessica Drew foi agente da SHIELD e agente da SWORD, Avenger e muito mais. Mas nada a podia preparar para a insanidade multidimensional que é o Spider-Verse! Uma guerra está prestes a rebentar, e todos com poderes aracnídeos do multiverso são um alvo! Mas ser um alvo é algo que Jessica Drew não aceita, e com a Silk, Spider-Woman pretende lutar para sobreviver ao teste que vai ter no Spider-Verse!

DC para assinatura

Wonder Woman #36

Por Meredith Finch e David Finch. A nova equipa criativa de Wonder Woman apresenta um novo épico, onde o destino das Amazonas será revelado, com novos personagens e um novo vilão com poder suficiente para derrotar a Wonder Woman e a equipa da Justice League.

Gotham by Midnight #1

Por Ray Fawkes e Ben Templesmith. Estranhos eventos estão acontecer em Gotham City! Mas Jim Corrigan está a investigar e tudo pode acontecer em Gotham by Midnight!

Image para assinatura

Odyc #1

Por Matt Fraction e Christian Ward. Depois duma guerra galáctica que durou cem anos, Odyssia a “Clever Champion” e os seus colegas começam a mais longa e estranha viagem de sempre, o regresso a casa. Uma odisseia psicadélica de ficção-científica com uma arte extraordinária começa aqui!

Tooth and Claw #1

Por Kurt Busiek e Ben Dewey. Esta nova série de fantasia épica apresenta um conclave secreto de feiticeiros que invoca, através do tempo, um campeão lendário para salvar o mundo, com consequências desastrosas.

Drifter #1

Por Ivan Brandon e Nic Klein. Numa pressa frenética para sobreviver, a humanidade espalhou-se pelo universo, colonizando e absorvendo recursos de inúmeros planetas. Abram Pollux mal sobrevive à queda da sua nave em Ouro, um planeta sem lei e sem interesse, onde a vida é barata. O que começa como uma luta pela sobrevivência, rapidamente se transforma numa jornada aos limites do que significa ser humano.

Intersect #1

Por Ray Fawkes. Sangue chove do céu. Uma voz hipnótica navega as ondas artesianas, enquanto corpos mudam e crescem em horrendas novas direcções. Estás preparado para um novo mundo, onde a loucura abunda numa edição com uma arte belíssima?

Boom! Studios

Mouse Guard: Baldwin the Brave and Other Tales HC

Por David Peterson. Todos os heróis foram em tempos crianças, em que ouviam histórias de heróis que vieram antes deles. O mesmo acontece com Mouse Guard. Seis contos são relatados a alguns jovens ratos, lembrando a todos que devem ser corajosos, verdadeiros consigo próprios e seguir o que lhes dita o coração.

Seven Seas Entertainment

Dance in the Vampire Bund Part II: Scarlet Order Vol. 01

Por Nozumu Tamaki. Após milénios a esconderem-se, Mina Tepes, a princesa do pacto antigo e soberana de todos os vampiros, deseja mudanças. Usando a tremenda fortuna da família Tepes, ela paga a dívida nacional do Japão e ao fazer isso, ganha autoridade para criar um distrito especial ao largo da costa japonesa, que irá se tornar um santuário para todos os vampiros do mundo!

Mais cinco comics que fazem parte da minha vida

32 Stories

Eye of the Beholder

Palestine Special

Depois de no mês passado ter destacado cinco bandas desenhadas de super-heróis enquanto obras que mudaram e moldaram os meus gostos e expectativas, este mês vou de alguma forma repetir a dose, mas evocando cinco comics independentes ((Independentes das duas grandes editoras de comics de super-heróis, a Marvel e a DC Comics, ou, se preferirem, alternativos – a esses mesmos comics mais comerciais de super-heróis…)) (que também) fazem parte da minha vida.

Num plano diferente, sem dúvida, porque menos populares/mediáticos/(re)conhecidos do que os comics de super-heróis que referi então – e que, sem qualquer dúvida, são consensuais dentro do género — mas igualmente importantes por terem contribuído para alargar os meus horizontes enquanto leitor de quadradinhos.

Antes de o fazer, necessito de um breve preâmbulo, para evocar a minha participação na organização e produção do Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto, ao longo de todas as suas edições, pois isso permitiu-me não só conhecer pessoalmente alguns dos autores que, a diferentes níveis, me marcaram – Prado, Davodeau, Schuiten, Peeters, Trondheim, Baru, Dupuy, Berberian… — enquanto leitor de quadradinhos, mas também descobrir nomes que desconhecia – de que nunca tinha sequer ouvido falar — e que apresentavam outro tipo de registos, de propostas, de desafios, que se revelaram também estimulantes.

Propostas que, confesso, não me marcaram tanto como os “Cinco comics de super-heróis que fazem parte da minha vida”, pois a maior parte deles dificilmente fariam parte das 20, 30, 50 melhores obras que já li. Mas propostas que, sem dúvida, contribuíram para que eu me atrevesse a descobrir algumas dessas 20, 30, 50 melhores obras que já li.

Isso foi possível graças à combinação de gostos e universos de quem organizava o SIBDP, em especial a partir da sua sexta edição. Foi dessa forma que encontrei – e nalguns casos passei a seguir – nomes na época ainda pouco conhecidos, mas que se viriam a afirmar como fundamentais na criação aos quadradinhos das últimas três ou quatro décadas. Dave McKean, Ed Brubaker, Joe Sacco ou Seth são os mais significativos que me ocorrem, ao correr dos dedos pelo teclado, entre os que passaram pelo Mercado Ferreira Borges, no Porto, que acolhia o SIBDP.

Mas, sem mais demoras, passemos então à mão cheia de obras que quero propor hoje, apresentadas sem qualquer critério de ordenação.

Optic Nerve

De Adrian Tomine. Comic aperiódico, com registos, quase sempre curtos, entre o autobiográfico e a ficção social – se posso chamar-lhe assim -, que revelam um autor – que é tímido mas – atento e capaz de explanar aos quadradinhos pormenores quotidianos, dramas íntimos, emoções ou formas de estar em que – paradoxalmente – revela tanto de si.

Eye of the Beholder

De Peter Kuper. Um desafio ao olhar e à mente do leitor. Quatro vinhetas numa página que são resolvidas/unidas/explicadas pela vinheta final, impressa no verso das outras quatro. Uma forma inteligente de mostrar como o nosso olhar, distorcido pela nossa formação/cultura/posição social interpreta – tantas vezes – mal as coisas simples do dia-a-dia.

Visitations

De Scott Morse. Um relato contido, pausado, em que cada frase é para ser lida, meditada, sentida como cada personagem a sente, e no qual nos é mostrado que Deus – afinal? – existe. Nós é que não o queremos – sabemos? – ver…

The left gang bank

De Jason. Uma história ambientada em Paris, França, no início da década de 1920, protagonizada por F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Ezra Pound, James Joyce… Artistas (e) boémios, invejosos uns dos outros, amantes de longas conversas, belas mulheres e bom vinho. Criadores de excepção, cujo génio e méritos ficam expressos nas obras que criam… em banda desenhada, a arte que impera neste universo paralelo perfeitamente identificável.

A meio do relato, uma mudança de agulha transforma esta metáfora gráfica num policial puro, que parte de um assalto a um banco levado a cabo com brilhantismo pelo quarteto, mas condenado pelas sucessivas traições que o leitor – rendido e de surpresa em surpresa – irá descobrir.

Hicksville

De Dylan Horrocks. Um crítico de uma conceituada revista de comics, vai a Hicksville em busca do sucessor de Jack “King” Kirby. Uma vez chegado, constata surpreso que lá se encontram os números mais raros da história dos comics, os fanzines mais obscuros, as edições menos divulgadas, os leitores mais conhecedores… Porque em Hicksville todos lêem, coleccionam, vivem ou desenham comics. Pelo amor à arte, não suportando quando esta se transforma em indústria.

E se Hicksville é – também – uma crítica feroz ao mundo dos comics mainstream, onde os grandes autores fazem carreira à custa do trabalho de dezenas de desenhadores anónimos, mais do que isso é uma obra sobre a paixão pelos comics, que mostra a vida real como um buraco negro quando comparada com o mundo ideal da BD.

Palestine

De Joe Sacco. Pela minha participação na sua edição em português ((Co-edição Mundo Fantasma/MaisBD/Devir, com o apoio da Bedeteca de Lisboa,  em 2004)). Pela forma – então — inovadora e interessante como aborda o conflito israelo-palestiniano. Pelo tom – pioneiro – de reportagem — desenhada – que a obra assume, baseada nos dois meses que o autor passou na Palestina, no Inverno de 1991-92, a recolher dados e a dialogar com os seus habitantes, vivendo como eles. O resultado é um relato forte – subjectivo, claro – mas humano, sincero, pungente, por vezes chocante, sobre o que o ódio pode fazer ao ser humano. E do que o ser humano pode fazer, devido ao ódio.