No início de 1992, Nuno A. N. Correia e José Rui Fernandes resolvem importar uma diminuta quantidade de livros da desconhecida editora norte-americana Fantagraphics. Assim nascia a Interzona.
O nome incluia fortes influências de William Burroughs e William Gibson e pela mesma altura fundaram a Associação Neuromanso cuja principal actividade era a edição do fanzine Epitáfio e mais tarde do fanzine Quadrado, que existiu depois numa terceira série e co-edição da Bedeteca de Lisboa e Associação Salão Internacional de BD do Porto.
Um ano mais tarde, os dois amigos resolvem assumir a organização do Salão do Porto, convidando a Fantagraphics (representada por Larry Reed, Colin Upton, Roberta Gregory e Joe Sacco) e o então desconhecido Dave McKean. Para esse acontecimento, foi crucial a amizade e ajuda de um “comics retailer” de Reading, Grã-Bretanha. Neil, o proprietário da Escape Bookstore estudou com Dave McKean e além de proporcionar o contacto com o autor, forneceu todo o stock que compramos para o Salão, onde a Interzona se mostrou aos fãs admirados e pouco habituados a tanta fartura. Estavamos em Outubro de 1993.
Mais tarde e após o sucesso do Salão do Porto, abrimos a nossa primeira conta num distribuidor de comics, Capital City, que com o seu excelente serviço permitiu-nos crescer com uma qualidade inigualável.
Em 1994 Nuno A. N. Correia deixa a empresa para se concentrar exclusivamente nos estudos e na carreira que prosseguiu ligada às relações internacionais. Foi um pouco depois que começou uma das fases mais difíceis que atravessamos: a Marveluction.
A editora Marvel, numa sequência de decisões desastrosas, resolve comprar o distribuidor Heroes World e cortar o fornecimento de comics a todos os outros: Tinha começado a guerra dos exclusivos. O resultado prático foi que para continuar a ter os mesmos comics, os livreiros teriam de encomendar de três distribuidores diferentes — praticamente triplicando o custo com os transportes. Todos os outros distribuidores faliram quase imediatamente.
Como a Interzona nunca foi só um negócio, junto com centenas de outras lojas protestamos deixando pura e simplesmente de vender comics da Marvel. Entretando, a Capital City ia por sua vez à falência, deixando-nos a indicação para comprarmos através de uma distribuidora espanhola que teria um proprietário de uma honestidade a toda a prova. E assim, iniciamos o nosso relacionamento com Alejo Cuervo da Gigamesh (que na época também se recusava a comprar Marvel). Estavamos já em 1995.
Entretanto, a Heroes World da Marvel como era previsível também faliu e os comics da “casa das ideias” voltam à Diamond criando um monopólio. Este distribuidor passa a ser de facto o único, de cerca dos 15 existentes dois anos antes. A edição e venda de comics americanos nunca recuperou da Marvelution. Foram tempos muito complicados, não sabiamos se teriamos comics no mês seguinte e muito menos em que condições. Mas o entusiasmo nunca esmoreceu e temos principalmente que agradecer àqueles clientes que desde 1993 se deslocavam regularmente à Senhora da Hora e tocavam à campaínha de uma casa suspeita, para entrarem no mundo fantástico e super-exclusivo da Interzona. As duas centenas de amigos e clientes que mantemos dessa época recordam esses tempos com alguma saudade e nostalgia.
Com todas as editoras reunidas estava na altura de abrir conta na Diamond e de sairmos do “esconderijo”. Escolhemos uma loja baratinha no Parque Itália, na Boavista, mas eis que surge uma reviravolta.
A BdMania tinha em Lisboa um percurso algo semelhante ao nosso e possuia um “esconderijo” no sexto andar de uma rua pouco conhecida da capital. Tinhamo-nos conhecido no Salão do Porto de 1995, também coordenado por José Rui Fernandes. Estava feito. No ano seguinte, depois de uma conversa até o raiar do dia, resolvemos juntar esforços e quinze dias depois, a loja foi inaugurada em 1996 sob o nome BdMania-Boavista.
Cerca de dois anos depois, em 1998 e com os pequenos 28 metros quadrados literalmente a rebentar pelas costuras, mudamos para o Centro Comercial Brasília, para aquela que é ainda hoje a maior livraria do país dedicada à banda desenhada.
Também em 1998, fomos a Angoulême que dedicava alguma atenção a Portugal e à sua banda desenhada. Um acontecimento que mudou um pouco o panorama da edição nacional passou despercebido: Marco Lupoi, director da Marvel Europa andava com um Quadrado (com a capa do Don Rosa) à procura do editor. Finalmente encontrou o José Rui Fernandes (fundador da Quadrado e editor da altura), que junto com o Paulo Costa teve uma reunião informal no stand da Marvel, onde ficaram a saber da insatisfação face ao editor português e disponibilidade em mudar.
Já em portugal, numa conversa telefónica com o Pedro Miranda da Devir, começou-se a alinhavar a nova edição Marvel em Portugal, ao que se seguiu uma reunião em Luca com o Marco Lupoi, José de Freitas e José Rui Fernandes. E assim, a Marvel voltou a Portugal, com uma qualidade sem precedentes e centenas de edições desde então.
Durante 1999, as diferenças entre os projectos das duas lojas BdMania começaram a ser evidentes e no fim desse ano estavam terminados três anos de colaboração. No Salão do Porto desse ano, lançamos a nossa primeira obra de BD, “Alguns Dias Com Um Mentiroso”, de Etiénne Davodeau.
Em Janeiro do ano 2000, renascia a Interzona. Aproveitamos a velocidade de cruzeiro para reorganizar a livraria e fazer alguns novos investimentos dos quais destacamos cerca de 8.000 números atrasados de comics americanos que adquirimos. Aumentamos assim a colecção para uns 50.000, número que entretanto ultrapassamos.
No ano da Odisseia no Espaço, projectos não nos faltaram — começando por mais uma mudança de nome, assumindo a identidade da editora: Mundo Fantasma, em homenagem à obra homónima de Daniel Clowes, que acabamos por editar em Outubro de 2001. Tendo já e sem dúvida, uma selecção sem parelelo de comics, franco-belga, edições nacionais, manga e independentes, temos como objectivo publicar a nossa extensa selecção de mais de 50.000 títulos na Internet, começando este ano. Um pouco depois, urge remodelar a livraria que começa a ter uma falta de espaço preocupante.
Em 2002, continuamos a alargar a oferta e o espaço a diminuir fortemente. Foi o ano do jogo Pokémon que bateu todos os recordes de vendas. Iniciamos a edição de banda desenhada em português sob o nome MaisBD, rapidamente dando à estampa obras incontornáveis (Mundo Fantasma, Palestina Vol. 1 e Vol. 2, As Aventuras de Hergé, Kafka: Desiste! E Outras Histórias…).
Depois do Pokémon veio o Yu-Gi-Ho!, a preferência por leitura vinda do oriente começou a acentuar-se. A nossa secção manga iniciou um crescimento exponencial, alimentado por uma enorme quantidade de edições em inglês. Instalamos novas estantes, vitrines e novos balcões. 2003 foi o nosso melhor ano de sempre, nada melhor para terminar a primeira década.
2004 fica marcado pela afirmação do Manga em definitivo. Instalamos novas estantes (chegando ao fim a capacidade da loja esticar) e quadriplicamos o espaço dedicado a estas edições. Iniciamos uma procura mais agressiva de um novo espaço, mas não foi nada fácil. Apesar do assinalável sucesso das edições MaisBD, o sistema viciado de distribuição vigente neste país, obrigou a um interregno por tempo indeterminado.
2005 e 2006, foram anos um tanto ou quanto parados, a não ser no crescimento da nossa oferta e diminuição de espaço disponível. A loja atingiu o limite.
Em 2007, a necessidade de mudar para um novo espaço agudizou-se e procuramos activamente fora do Centro Comercial Brasília uma loja que nos acolhesse. Estivemos quase a mudar para a Rua Miguel Bombarda, mas as negociações falharam no último momento. Seria um local onde a nona arte encontraria as outras e isso era bom, mas poucas mais valias existiam. A verdade é que o local onde estamos tem muitos defeitos, mas estamos habituados e os nossos clientes também, e dentro das também muitas vantagens, é uma localização como há poucas no Porto (para não dizer nenhuma).
Entretanto, com o Júlio Moreira e o Pedro Petracchi, começamos a congeminar um projecto que dá continuidade à nossa experiência com antiga organização do Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto.
Ah, e para o caso de não terem reparado, 2007 assinala também o colapso quase total da edição de banda desenhada em português. Mas, como na nossa livraria a banda desenhada nunca falta, adquirimos 80.000 comics para compensar.
Esperávamos que 2008 fosse o nosso melhor ano de sempre, impulsionado pelos milhares de clientes que conquistamos, banda desenhada de uma qualidade criativa sem precedentes (nos Estados Unidos querem chamar a esta época a “Diamond Age”), loja totalmente nova e uma galeria única no país. Começou bem com duas remessas de banda desenhada realmente grandes e também com o contentor com 80.000 comics em Fevereiro.
Não foi o melhor ano de sempre, mas conseguimos uma boa subida nas vendas já em plena “crise” e impulsionada pelas novas instalações. Iniciamos as exposições da melhor forma com o ilustrador americano Marcellus Hall e desde aí mostramos mais de 20 autores até ao final de 2010. Foram dois anos algo difíceis em termos de vendas, com muitos clientes a cortarem nas despesas. Apesar disso, acabamos o ano com a muito desejada livraria online — huh — online.
Em 2011, as exposições continuaram e as mesas para jogar ou conviver regressaram. As prateleiras continuam cheias, a livraria online cresceu muito e apesar de se esperar mais um ano economicamente difícil, com os nossos excelentes clientes, as perspectivas são boas e a banda desenhada prevalece.
De 2014 a 2017 estivemos presentes na Feira do Livro do Porto. Depois de mais de 50 exposições e eventos, 2016 foi o nosso melhor ano de sempre. O ano seguinte foi o ano do MiniZineFestPt organizado por nós e pelo atelier 3|3 que também ocupa o espaço da nossa galeria. Este ano já tivemos o Free Comic Book Day de maior sucesso de sempre e também o DIY My Darling, a feira de edições do Kismif. A galeria Mundo Fantasma vai comemorar o seu décimo aniversário como começou, com o autor norte-americano Marcellus Hall. E antes, em Novembro, o ZineFestPt.
E temos de actualizar com estes últimos anos, entretanto, cá os esperamos, este ano e nos próximos, na casa da “banda desenhada quase toda”.