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Invisible ink : My mother’s secret love affair with a famous cartoonist

Argumento e desenho de Bill Griffith. Fantagraphics, 2015.

Invisible Ink

Foi inesperado Bill Griffith (1944) lançar-se num romance gráfico autobiográfico. De repente, parece que este veterano quer-se actualizar com a malta nova, afinal, não há gato-sapato que não esteja a fazer romances gráficos do tipo autobiográfico / memórias ou reportagem / crónica de viagem, tudo com muitas páginas e aspecto de livro respeitável, né? O subtítulo não engana: “O secreto caso amoroso da minha mãe com um cartoonista famoso”!

Só que este senhor não vai de modas!

Se fosse o Zippy fazia-lhe a folha!

Griffith é um autor de BD que começou a carreira nos finais dos anos 60, naquela década em que se atirava molotovs à bófia, fazia-se sexo em grupo e havia drogas a pontapé. High Times! É um daqueles incontornáveis da revolução “comix underground”. Chegou a editar com Art Spiegelman a antologia Arcade, entre 1975 e 76, para verem o nível. A sua criação mais importante e que se tornou endérmica é Zippy – desde 1971 – inspirada pelos diálogos dos microcéfalos do filme Freaks (1932) de Tod Browning. Começou a aparecer como uma série de BD nos jornais em 1976 e entrou na distribuição “syndicate” para 200 periódicos a partir de 1986. Zippy não diz coisa com coisa tal como no nosso mundo pós-moderno, a abarrotar de plástico + verborreia + cancro + paus para “selfies” em que a única esperança é sonhar que o Justin Bieber e os seus fãs venham todos a fazer uma vasectomia irreversível, pleeeeeease… É uma série realmente “fun fun fun” e inteligente contra a máxima do Morris (do Lucky Luke) que dizia que o público adora personagens tótós porque se identificam ou se sentem superiores a elas — não me lembro bem se era este o sentido mas era algo do tipo. É de se notar que o autor a partir de 1979 co-habita nas tiras de Zippy através do seu avatar “Griffy” que tem um nariz quase à Pinóquio… e esse é o único elemento negativo de Invisible Ink: o autor retrata-se com essa grande penca caricatural e dissonante com o restante grafismo. Por isso, vou passar a escrever Griffy até porque é irritante escrever G r i f f i t h no teclado…

Invisible Ink

Este romance gráfico lembra-me imediatamente a falta de pudor e o exibicionismo norte-americano, que o autor João Chambel denunciou numa conversa que tivemos no programa Invisual a propósito dos documentários sobre Robert Crumb. Dizia ele que preferia o Confessions of Robert Crumb (1987) da BBC em relação a Crumb (1994) de Terry Zwigoff porque o último é muito gratuito ao expor toda aquela demência (com condescendência) não precisávamos de tantos planos do irmão Max (…) Zwigoff como era amigo teve acesso a quase toda a vida do Crumb (…) e depois exibe de forma deselegante. E realmente o que passa na cabeça de Griffy!? Expor a vida amorosa da mãe num livro de BD!? Only in America…

O tema intimista desta autobiografia colocou-me expectante dado à “autópsia da autobiografia na BD” e aos casos judiciais, sem consenso, do Direito à Imagem. Vale a pena ler os textos, em “francíu”, de Fabrice Neaud no L’Éprouvette 3 (L’Association; 2007) sobre o primeiro problema e Metakatz (5éme Couche; 2013) sobre o segundo. Aliás, foi isto que levou Neaud a abandonar a brilhante autobiografia do Journal (Ego Comme X; 1996-02) para a série sci-fi super-herói homoerótica Nu-Men (Soleil).

Antes de começar a ler Invisible Ink acho que qualquer um de nós, leitores, fica de pé atrás, com uma moral pronta para denunciar à Judiciária. Mas… de forma pragmática e fria, a mãe dele já faleceu, bem como todos os outros intervenientes, o pai / marido e o amante cartoonista, há algumas décadas. Até outros familiares para lá caminham. O próprio Griffy tem agora 72 anos e talvez sinta esta necessidade “genética-cultural” de deixar uma herança documental tanto sobre a sua família, de resto interessantíssima como o seu bisavô fotógrafo, como o registo das eternas paradoxais violentas relações de (qualquer) família do século XX.

É inteligente a forma como Griffy usa os documentos, físicos ou em linha, da família para construir esta história, sobretudo o romance cor-de-rosa que a sua mãe escreveu e que nunca publicou, para ilustrar as cenas que ele obviamente não presenciou entre o casal “pecador”. Invisible Ink é o drama de uma família nuclear “straight” típica dos anos 50 (que se pode relacionar com a série de TV Mad Men) em que por detrás daquela “pax americana” encontramos pessoas profundamente tristes e amarguradas que não se conseguem separar (pelo tabu da pressão social e económico) e acabam por arranjar affairs amorosos à procura de ___________________ (preencher, sff).

Invisible Ink

Paradoxalmente, para um romance biográfico sério ele é bastante “zippyzado” e é por isso que o incómodo moral de vasculhar o caixote do lixo da família no meio da praça pública acaba por se anular. Não sei se o autor teve consciência disso mas o que acontece é que Invisible Ink é atravessado por vários pontos temáticos que aparecem nas tiras de Zippy, saturando-o de informação com “factoids” ou observações pessoais sobre cultura e sociedade. Isso acaba por dar alguma camuflagem à exibição da vida privada mesmo quando ela é bastante explícita em várias páginas do livro — ex.: os amantes no seu leito amoroso.

Posso aqui escrever aleatoriamente apesar do ritmo muito estruturado do livro, que tanto nos sentimos obrigados a abrir a pestana para o facto que todas as nossas vidas passadas estarem à distância de um “clique” de um rato (e com uma pegada ecológica bem calcada) como (saltar três casas) inteiramo-nos da especulação que Griffy faz sobre a sua vida e a sua obra artística se tivesse sociabilizado mais com o amante da mãe, Lawrence Lariar (1908-91) ou até se este tivesse tornado no seu padrasto!

Lariar é daqueles ilustradores que fazia “livros de auto-ajuda” tipo Cartooning for everybody em que usava o “método do amendoim” (ou feijão, que prefiro) para qualquer desenho! Todas as formas, meu, podem ser gajas ou cães ou periquitos ou patrões da empresa, tanto faz, a base do desenho começa sempre com a forma de um feijão. Depois é só meter detalhes na feijoca! Scary!!! O trauma desta potencial formatação está descrita neste livro embora Griffy já tivesse mostrado isso em Are We having fun Yet? (E. P. Dutton; 1985) na BD “The Anatomy of Cuteness”.

O livro também é uma biografia de Lariar que fez BD e cartoon, escreveu policiais negros e editou os anuários Best Cartoons of the Year (1942-71). É uma curiosa figura que atravessa a História da cultura popular norte-americana do século passado, logo a fazer “comic-books” em 1935! Arrisco a afirmar que o seu trabalho assalariado e de encomendas não seja memorável e é provável que este livro o recupere ao olho público mais do que a obra que deixou. É o preço final do artista comercial que não costuma deixar saudades tornando-se em… tinta invisível?

Este livro e Paying for it (Drawn & Quarterly, 2011) de Chester Brown mostram como a autobiografia não morreu com Harvey Pekar.

Spawn of Mars and Other Stories

Spawn of Mars

Argumento e desenho de Wallace Wood. Fantagraphics, 2015.

Alguma coisa deve ter corrido mal: o futuro a que chegámos não é o futuro que nos prometeram. Desconfio que isto já é conversa antiga para quem está a ler, mas o regresso do Marty McFly a 2015 pôs a Internet em revolta. Acordámos dia 21 de Outubro, olhámos pela janela fora e constatámos que não existem carros flutuantes, hoverboards nas ruas ou roupa que se ajusta a qualquer tamanho. Fomos tomados por uma euforia com contornos vagamente dissociativos, entre a nostalgia por um imaginário passado e a expectativa de um futuro que entretanto chegou (desculpem-me o silenciamento estratégico de quem não passou por esta experiência).
Tendo em conta os hábitos de Hollywood, é surpreendente que ainda não tenha surgido uma nova versão do Back to the Future para capitalizar o hype. Mas como é que se faz futurismo em 2015? Julgando pelo recente The Martian, não se faz. Em vez do futuro e do Michael J. Fox, teríamos o Michael Cera com tatuagens a sonhar com a cultura pop dos anos 80. Como poderia ser orquestrado este golpe? Ou seja, que acontecimentos resultariam na criação de uma realidade paralela, em que o futuro é aborrecido? Olhando para o nosso mundo, podemos correlacionar o nosso extravio temporal e a estranha realidade em que vivemos com agentes históricos que não foram contemplados pelo Back to the Future II.
O antropólogo David Graeber sugere, por exemplo, que várias das promessas da ficção científica para o século XXI eram tecnicamente alcançáveis e que só ainda não se cumpriram porque as condições sociopolíticas não o permitiram. No seu lugar, desenvolvemos tecnologias essencialmente burocráticas que reforçam as desigualdades sociais existentes e que em pouco contribuem para o despontar luminoso da civilização intergaláctica. Por outras palavras, ainda não colonizámos Marte porque preferimos criar a iTunes Store. Para um reboot bem sucedido, basta ter isso em conta.

A hipótese de Graeber é apoiada pelas histórias de sci-fi em Spawn of Mars and Other Stories. Nelas abundam naves espaciais e máquinas do tempo, sem que apareça um único smartphone. Este volume pertence a uma série dedicada a clássicos da editora EC Comics, mais conhecida por chocar e atrair as atenções da classe média americana dos anos 50 para os perigos da banda desenhada. Spawn of Mars… é relativamente moderado no shock value. Dedica-se a comics de sci-fi ilustrados por Wallace Wood, escritos maioritariamente por William M. Gaines e Al Feldstein para as revistas Weird Science e Weird Fantasy.
As personagens desta colecção deparam-se com problemas próximos dos nossos, como o esgotamento dos recursos naturais, a guerra e a sobrepopulação. A exploração espacial é geralmente a resposta encontrada para estes desafios, pelo que Spawn of Mars… não apresenta soluções particularmente inventivas (admito que quaisquer outras hipóteses parecerão supérfluas se pudermos simplesmente fugir do planeta Terra).

Spawn of Mars

Spawn of Mars

O avanço tecnológico destes futuros paralelos parece, portanto, ter divergido do nosso a determinado momento. Como consequência, os conceitos explorados nestas histórias parecem mais desadequados do que propriamente antiquados. Podemos dizer que os cenários altamente especulativos e por vezes patetas de Spawn of Mars… — que incluem cientistas a trabalhar na cave, andróides militares emprestados para fins domésticos e mulheres engravidadas por extraterrestres —, funcionam numa lógica de suspensão das regras que desafiam o senso comum e promovem o pensamento lateral. Neste sentido, o recurso frequente a retóricas pseudocientíficas não é (só) um defeito, mas também uma necessidade quando se querem criar situações altamente improváveis.
Este efeito é apontável, por exemplo, em Transformation Completed. Nesta história de seis páginas, um soro experimental permite a transição total entre o sexo masculino e o feminino, e vice-versa. No cenário proposto, a determinação biológica da identidade e orientação sexuais é, ao mesmo tempo, absoluta e completamente fluida: alguém com uma anatomia e identidade masculinas que é sujeito a este tratamento, transformar-se-á física e psicologicamente numa mulher. Deste modo, as características identitárias são contingentes a condições biológicas que são elas próprias transitórias, colocando a questão transgender de pernas para o ar (de forma certamente problemática, mas por isso mesmo interessante).
Há outros conceitos que são explorados, como o amor inter-espécies (nas histórias Spawn of Mars e The Maidens Cried), as consequências práticas da imortalidade (The Two-Century Journey), paradoxos temporais e os perigos de tecnologias como a teleportação ou a mais corriqueira energia nuclear. A maioria das histórias recorre a twists e inversões de posição que obrigam o leitor a confrontar-se com o seu próprio reflexo, mas que são mais ou menos previsíveis para uma audiência actual (“afinal, éramos nós os extraterrestres,” “estamos para os extraterrestres como o gado está para nós”, etc.; talvez já fossem previsíveis quando foram publicadas?).

Como conjunto de ficções especulativas, Spawn of Mars… é uma curiosidade histórica e uma panorâmica sobre futuros que se tornaram tangentes do passado. Como conjunto de obras de banda desenhada, representa uma amostra do trabalho do artista Wallace Wood e é por aí que o seu interesse se eleva. Como era comum nos comics da época, cada história inicia-se com uma grande vinheta titular. Wood usa-as para estabelecer a atmosfera geral da história e exibir a extensão das suas capacidades técnicas. Muitas destas vinhetas poderiam até existir como ilustrações autónomas ou posters, cheios de pormenores da tecnologia, da fauna e da flora extraterrestres que convidam à exploração pelo olhar. A expressividade com que Wood representa estes pormenores em tinta da china e screentones—os reflexos e brilhos do metal que dão volume às naves espaciais e as formas tortuosas da vida alienígena que fazem lembrar, por razões certamente genealógicas, as criaturas abjectas de Chris Weston em The Filth — são o segredo do negócio e poderiam também ganhar autonomia para lá das histórias em que aparecem. Se retirássemos a trama e os personagens e reduzíssemos tudo a imagens, poderíamos chegar a uma sci-fi superficial em que o grafismo seria um fim em si mesmo, de forma semelhante ao que vemos em autores contemporâneos como Yuichi Yokoyama ou Léo Quievreux.
A vontade de extrair as imagens do seu contexto é exacerbada pelo design das páginas que, numa primeira análise, sofrem com uma negociação pouco cuidada entre imagens e texto. As histórias recorrem demasiado a descrições verbais maçudas e o texto acaba por controlar o espaço da página. Por consequência, as imagens ajustam-se de forma grosseira a grandes blocos de texto expositivo ou a balões de fala encavalitados. Neste sentido, não foge à norma da maioria dos comics seus contemporâneos. Mas estou disposto a dar o benefício da dúvida e argumentar que esta submissão da imagem ao texto poderá conferir um valor estético específico aos comics desta era, que merece ser reapreciado. Talvez este tipo de relação entre imagem e texto possa ser recuperado em experiências futuras de banda desenhada. É um morto por ter cão e morto por não ter, mas na positiva.

Spawn of Mars… reflecte uma cultura popular mais investida numa ideia do futuro do que a nossa. No entanto, este livro não servirá como referência do futuro (afinal, o futuro, para nós, já chegou). Para mim, servirá de referência para o futuro: um registo do que poderá ser e do que poderia ter sido.

Is That All There Is?

Is that all there is?

Argumento e desenho de Joost Swarte. Fantagraphics, 2012.

Tenho relido o Tintin nos últimos anos porque editei o Papá em África (MMMNNNRRRG; 2014) de Anton Kannemayer, porque tive acesso ao Tintin Akei Kongo (edição anónima) e porque estou a despachar a minha colecção para o “meu sobrinho” de nove anos que precisa de ler BD – claro que meti no ecoponto o “África” e o “América”, não ia dar ao miúdo aquele lixo mental! Relendo a obra toda percebe-se como a série vai evoluindo em todos os sentidos, incluindo o crescimento humanista de Hergé, de puto estúpido a um cidadão do mundo. Seja como for, até ao País do Ouro Negro as aventuras do “repórter de poupinha” são uma parvoíce pegada de situações “non-stop” de folhetim para crianças. Como o MacGyver, é só inventar tretas, pistolas que encravam e passam mil vezes de mão inimiga para mão traidora para um maneta, um copo-casca-de-banana para um gajo malhar e partir-se todo, mais uma perseguição de carros, motas e hidroaviões, etc, etc…

Is that all there is?

Is that all there is?

Quando se fala nos autores de BD de “linha clara” em que Hergé é a grande referência – termo este que o holandês Joost Swarte cunhou para o tipo de grafismo de BDs que utiliza linhas fortes que têm a mesma espessura e importância, em vez de ser usado para enfatizar determinados objetos ou ser utilizada para sombreamento – é realmente referido exclusivamente para a questão gráfica. Sei que que posso estar a ser redundante ao escrever isto, afinal “linha” diz que só se pode incluir desenho. Ainda assim, raramente se discute o tipo de narrativa ou de conteúdos temáticos que se vincula à “linha clara”. Não é uma surpresa de alguma forma porque geralmente o desenhador ultrapassa o argumentista quando se fala vulgarmente de BD – embora com a moda da “novela gráfica” se tenham invertido esses papéis.

Podemos juntar o holandês a um grupo de autores que renovaram a “linha clara” nos anos 70 e 80, como os franco-belgas Yves Chaland, Ted Benoit, Serge Clerc e Floc’h mas também Theo van den Boogaard (outro holandês), o espanhol Daniel Torres e até o “nosso” Luís Louro. Mas tal como o último escabroso álbum para comemorar os 30 anos da série Jim del Monaco, a maior parte destes artistas fazem a manutenção dos pecadilhos da BD com a sua insistência irritante no uso de elementos nostálgicos de outros tempos mais “dourados” – dos tempos das colónias e dos seus ignorantes “conguitos” com lábios de salsicha, das aventuras exóticas pelo mundo ainda por cartografar, da inocência e surpresa da descoberta de novas tecnologias sejam elas para conquistas espaciais como para aplicação quotidiana, o regabofe das corridas, velocidade e skyscrapers, etc… É muito estranho o conteúdo da “linha clara” que recorre sempre à nostalgia e à infância inocente das BDs dos outros tempos.

A “linha clara” parece ter um propósito programático, o “retro”. Ainda mais estranho isto se considerarmos a expansão e a euforia económica dos anos 80, pois como se sabe o “mercado da nostalgia” depende do mal-estar do presente. Estes autores queriam “ainda mais e melhor” do que a década de 80 lhes ofereceu? Swarte não sai muito desta linha de pensamento, mesmo que ele tenha feito parte dos Provos – movimento de contestação dos anos 60 – mas foi de certeza menos militante que o seu conterrâneo Willem – já agora, é de notar que ambos fazem a BD “Enslaved by the Needle!” (1973) com Willem como argumentista e que se encontra neste livro. Sei que Swarte fez algumas BDs políticas nos inícios dos anos 70, altura aliás, quando começa a sua carreira como autor, editor e divulgador de BD trabalhando com a Real Free Press, uma editora e loja de BD que sobrevivia graças ao narcotráfico… man, those were the days!

Nesta compilação, verdadeiro ”cartão de visita”, a sua obra parece-me pouco convincente no que quer transmitir do seu foro intimo ou de teor político, embora não seja nitidamente um nostálgico à procura da zona de conforto da infância feliz – ah, as tardes preguiçosas que que se lia as novas “aventuras do Zonzon & Rififi na Micronésia” – pois até introduz elementos de sexo e violência (vindos da estética underground dos anos 60/70) sobretudo em narrativas que decorrem no caos das grandes urbes. Talvez a sua maior crítica seja a alienação mental da sociedade mas a tónica sabe a pouco.

Lê-lo (hoje?) parece ser um acto pueril, tal como ir ressacado a um museu de arte contemporânea no Domingo de manhã, em que por mais esforço intelectual que seja feito, o produtor e o receptor não se entendem… mas sim, é muito giro ver a instalação no chão, ler a folha de sala pelo sim pelo não, não vá passar ao lado a intenção do artista. Depois da bica, uma olhadela na livraria do museu, metemo-nos no carro e esquecemos o que vimos… É óbvio que Swarte destaca-se pela espetacularidade do grafismo e “design”, tanto que ele tem feito desde selos a edifícios na sua carreira profissional e artística, trazendo à baila a máxima “the medium is the message”. Olhar para um desenho seu é descascar detalhes cómicos ou irónicos como a capa do segundo número da revista Raw (1980) também aqui republicada. É uma delícia observar vinhetas ou imagens cheias de detalhes e construções extravagantes mas sobretudo a orgia de “slapstick” e “screwball” com saltos à globetrotter. E depois disso o que acontece? Is that all there is? é um título infelizmente mais irónico do que gostaria de ser.

Para quem não pratica a francofonia, o antigo “número 2” da Fantagraphics, Kim Thompson (1956-2013), deu à estampa em língua franca para a Aldeia Global uma boa selecção de BDs e algumas ilustrações produzidas entre 1972 e 2010 para várias revistas e livros. Um gesto editorial de salutar embora o livro poderia ser melhor: podia ter uma capa dura para não termos um “peixe morto” na mão, podia ter um formato maior para não ter algumas BDs deitadas, ter a ordem dos trabalhos alinhada cronologicamente para se perceber a evolução do autor, ter mais textos de apoio – o do Chris Ware é bom mas não chega – para quem não vá conseguir distinguir um trabalho pessoal de uma encomenda institucional como “The Rubber Paradise” que saiu no álbum Les aventures du latex: La bande dessinée européenne s’empare du préservatif (1991), curiosamente a BD mais genuinamente divertida desta compilação da “Fanta”.

Por fim, lembro que este autor em Portugal só existe como ilustrador do provocador e belíssimo livro O papalagui : discursos de Tuiavii, chefe de tribo de Tiavéa nos mares do Sul (Antígona, 1988). O que é estranho, um livro que já teve várias reedições ao longo de três décadas nunca se publicou um livro a solo de Swarte. Será porque Swarte fez BD a pedir o boicote ao café angolano (como forma de pressionar o fim das guerra nas colónias) em 1973, que ninguém o liga? Os portugueses toscos não o perdoaram? Claro que não é isso! É só ignorância visual que este país sofre, pá, afinal as primeiras edições nacionais do Papalagui nem as ilustrações tinha… Talvez para poupar uns trocos e para além disso, os nossos editores literários sempre tiveram a infeliz postura do “ter bonecada para quê?”